Em entrevista exclusiva para a Plataforma Setor Moveleiro, o diretor-geral do Salão do Móvel de Milão, Marco Sabetta, fala sobre o futuro da feira e os novos desafios para a indústria moveleira ao redor do mundo
Noticiar o cancelamento da edição 2020 do Salone del Mobile.Milano, o iSaloni, e de todos os eventos relacionados à Semana de Design de Milão, na Itália, talvez tenha sido um dos momentos mais impactantes do ano para o setor moveleiro. Não só pela experiência enriquecedora e extremamente importante que é fazer parte desse universo, com todas as inspirações e referências que trazemos de lá ano após ano; ou pelos números impressionantes que esse conjunto de eventos exerce na economia milanesa, italiana e global. Mas, sobretudo, pelo que isso representou. Ali, naquele momento, “caía a ficha” – usando uma expressão simples e direta – de todo um setor.
Primeiro país ocidental a se tornar epicentro da pandemia do novo Coronavírus, por algum tempo, líderes italianos se esforçaram em tentar amenizar o problema, mantendo as fronteiras abertas e insistindo na realização do evento ainda em 2020. Inclusive encabeçando campanhas que posteriormente transformaram-se em pedidos de desculpas por parte do prefeito de Milão.
Recebendo cerca de 500 mil pessoas das mais variadas partes do mundo e movimentando centenas de milhões de Euros todos os anos, o cancelamento (ou “adiamento”, como colocou a organização) de um evento deste porte demonstrava não só a magnitude do problema na Itália, mas, sobretudo, dava os primeiros sinais dos desafios que enfrentaríamos neste ano enquanto um setor dependente das relações internacionais e, ainda mais importante, interpessoais: com todas as restrições sociais e de deslocamento resultando em um impacto muito negativo para a economia mundial – desemprego, queda do consumo e, consequentemente, da produção, novos desafios para os governos locais e muita, muita incerteza.
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Felizmente, a Europa parece se recuperar – a passos lentos, mas vigorosos e apesar de toda a dor deixada – da catástrofe Coronavírus. Infelizmente, para nós, vivemos agora no Brasil nossos piores dias, com o país sendo o novo epicentro do vírus. A exemplo de nossos amigos italianos, porém, haveremos de renascer. Que fiquem, então, os bons exemplos e as boas práticas para retomarmos os negócios e construirmos um futuro mais saudável e sustentável para o setor moveleiro – ecológica e economicamente. Sempre atentos aos movimentos e tendências globais, mas compreendendo, sobretudo, às necessidades e peculiaridades locais – dos materiais às formas de fazer negócios.
E é justamente sobre esse novo olhar tanto para a indústria de feiras de negócios quanto para a produção moveleira ao redor do globo que conversamos com o diretor-geral do Salão Internacional do Móvel de Milão, Marco Sabetta. Confira a seguir!
Setor Moveleiro – Como você acredita que esse “novo normal” irá redefinir a indústria de feiras de negócios ao redor do mundo?
Marco Sabetta – A próxima edição coincidirá com o 60º aniversário do Salone del Mobile.Milano, nascido em setembro de 1961. Portanto, desde sempre prevíamos uma edição muito especial, cheia de surpresas e emoções. É sabido, porém, que como consequência de tudo o que está ocorrendo neste ano, todos os eventos, incluindo as feiras de negócios, passarão por transformações, com novas regras para a segurança sanitária entrando em vigor em cada país. E, claro, temos que obedecê-las. Esperamos apenas que eles não sejam tão rigorosos a ponto de limitarem nossas atividades, trazendo soluções justas para esse segmento tão importante, especialmente para a economia italiana.
SM – Mais do que simplesmente reagendar a data e retomar as atividades relacionadas à promoção do Salone del Mobile.Milano, como você e toda a equipe por trás do evento estão trabalhando no reposicionamento da marca ao redor do mundo? Aliás, o que podemos esperar de diferente para a próxima edição?
MS – Estamos trabalhando como sempre, tentando tornar o próximo Salone del Mobile.Milano – bem como as edições de Moscou (Rússia) e Xangai (China) – melhor do que em anos anteriores. Essa é nossa política: faça melhor do que antes! Acredito que, mais do que nunca, o grande segredo neste momento seja olhar ao nosso redor e tentar satisfazer todas as partes envolvidas: expositores, visitantes e imprensa, ouvindo suas sugestões, compreendendo os desejos de cada um e estando aberto aos questionamentos de todos, buscando soluções que respondam a todas essas expectativas.
Como novidade, pela primeira vez na história, todas as bienais – Euroluce, EuroCucina e seu evento colateral Technology for Kitchen, bem como as exposições internacionais de banheiros, serão realizadas em conjunto com as exposições anuais Salone Internazionale del Mobile, Exposição Internacional de Acessórios de Mobiliário, S.Project, Workspace.3.0 e Salone Satellite.
SM – Enquanto a maioria de nós, especialmente aqui no Brasil, ainda não está apta a viajar, como a organização do iSaloni junto a seus expositores vêm gerenciando sua presença on-line e o que podemos esperar em termos de interações e exposições virtuais?
MS – Os expositores inventaram novas soluções para seus negócios, claro. E uma delas está em trabalhar mais e melhor sua presença digital. Trazendo novas propostas bastante inteligentes, com foco num discurso ecológico e uma interação mais confortável, direto de nossas casas, em que mesmo à distância se priorize as relações humanas – fundamentais para vivermos plenamente. Também oferecemos muito conteúdo por meio das redes sociais e websites do iSaloni. No entanto, em nosso setor é difícil comprar um móvel sem tocá-lo ou experimentá-lo. E, mais do que isso, o homem é um animal social e, portanto, precisamos de contato. Nada pode substituir a alegria da experiência direta, de um abraço real, por exemplo. A tecnologia certamente nos ajudará, mas o digital não pode substituir o lado humano.
SM – Por falar nisso, é inevitável apontarmos como a dinâmica da vida mudou em todo o mundo. Quando falamos sobre novos comportamentos e necessidades, quais são as tendências crescentes que a indústria moveleira deve seguir de perto, na sua opinião, para ser assertiva nesse “novo normal”?
MS – Para reiniciar a produção, os fabricantes devem prestar muita atenção ao meio ambiente em todas as fases do processo: desde os primeiros passos da produção de um móvel até sua embalagem, bem como de que forma será entregue e descartado pelo consumidor final. Já há bastante tempo falamos sobre design circular em nosso setor, agora é hora de aplicá-lo, vinculando a forma de fazer design ao crescimento das preocupações ambientais das empresas, dos fornecedores até o cliente final. Todos os atores relevantes são ou devem ser consensuais sobre a saúde do nosso planeta. Isso porque, de uma forma geral, todos devemos nos preocupar com a questão ambiental. Adotando hábitos mais ecológicos em nosso dia a dia – das nossas casas aos nossos negócios. Investimento em tecnologia eco-friendly e práticas com efeito positivo no meio ambiente certamente agregarão valor aos produtos e às marcas.
SM – E como os fabricantes podem confiar no design (incluindo aqui, a busca por novos materiais, técnicas e recursos) para retomar suas produções e satisfazer novas demandas do mercado?
MS – O design agora, mais do que nunca, precisa de uma visão, de uma coesão e de um planejamento. Caso contrário, ele não irá a lugar algum. Todos os designers estão ampliando sua criatividade a serviço das empresas, a fim de descobrir ou inventar novos materiais e novas tecnologias para satisfazer ou antecipar demandas e tendências futuras, e esse é certamente o caminho. Pois é hora de pensarmos estrategicamente. E design estratégico significa design de qualidade, design que vai ao encontro do interesse dos clientes.
SM – E, claro, como você imagina que todas essas mudanças influenciarão no que veremos em termos de produtos no próximo ano em Milão?
MS – Espero que vejamos o resultado do que o design deve fazer: levantar a reflexão sobre o que é efetivamente essencial para nossas vidas.
A 60ª EDIÇÃO DO SALÃO DO MÓVEL DE MILÃO DEVE OCORRER ENTRE 05 E 10 DE SETEMBRO DE 2021. Saiba mais em www.salonemilano.it