Na semana passada, apresentamos as principais projeções para a economia brasileira e os impactos no setor moveleiro a partir de 2023 — clique para ler. Mas de que forma as estimativas para o mercado nacional se alinham com as condições atuais e as perspectivas de futuro para o mundo? Bem, infelizmente não da forma — ou ao menos não no período — que gostaríamos.
O crescimento global está diminuindo drasticamente diante de uma inflação elevada, taxas de juros mais altas, investimentos reduzidos e problemáticas causadas pela invasão russa na Ucrânia. Questões que refletem na economia brasileira e em tantas outras ao redor do mundo, que contam ainda com suas peculiaridades locais como a “cereja em cima do bolo” — um bolo nada saboroso numa festa em que todos detestam cereja.
É o que não só nós temos repetido por aqui na Plataforma Setor Moveleiro como também é apontado pelo último relatório “Global Economic Prospects”, do Banco Mundial, que revela que a economia global está “por um fio”.
A expectativa da instituição é de que o crescimento econômico no mundo seja de apenas 1,7% em 2023. Uma queda severa em relação aos 2,9% estimados para 2022. Para o próximo ano, 2024, o crescimento previsto é um pouco melhor, mas ainda abaixo do estimado para o ano passado: em torno de 2,7%.
“Os riscos sobre os quais alertamos há seis meses se materializaram e nosso pior cenário tornou-se o cenário-base”, falou o diretor do Grupo de Perspectivas do Banco Mundial e responsável pelo relatório, Ayhan Kose. Dada a fragilidade das condições econômicas, qualquer novo acontecimento adverso pode empurrar a economia global para a recessão. O que marcaria a primeira vez em mais de 80 anos que duas recessões globais ocorreriam na mesma década.
Projeções para a economia global: países emergentes e em desenvolvimento
Embora muitos especialistas de mercado acreditem que a situação que a economia global vem atravessando já se desenha como uma crise grave, o Banco Mundial alerta para condições ainda piores já a partir de agora.
Espera-se que a forte retração no crescimento seja generalizada, com previsões para 2023 revistas para 95% das economias avançadas e quase 70% das economias de mercado emergentes e em desenvolvimento.
Nos próximos dois anos, o crescimento da renda per capita nas economias de mercado emergentes e em desenvolvimento está projetado para uma média de 2,8%. Um ponto percentual abaixo da média de 2010-2019. O que fica bem claro com o cenário que se desenrola em torno do reajuste do salário mínimo no Brasil, abaixo da inflação nos últimos quatro anos.
“A crise no desenvolvimento está se intensificando à medida que as perspectivas de crescimento global se deterioram”, disse o presidente do Grupo do Banco Mundial, David Malpass. “Os países emergentes e em desenvolvimento estão enfrentando um período de vários anos de crescimento lento. Impulsionado, sobretudo, por pesados encargos de dívida e fracos investimentos à medida que o capital global é absorvido pelas economias avançadas, que enfrentam níveis extremamente altos de dívida governamental e taxas de juros crescentes”, explica.
Excluindo a China, com crescimento projetado de 4,3% em 2023 — 0,9 pontos percentuais abaixo das previsões anteriores, mas ainda melhor do que em outros países —, o crescimento nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento deverá desacelerar de 3,8% em 2022 para 2,7% em 2023. Refletindo, assim, uma demanda externa significativamente mais fraca, agravada pela alta inflação, depreciação de moedas, condições de financiamento mais rigorosas e outros eventos adversos nos mercados domésticos.
Ainda segundo o relatório “Global Economic Prospects”, até o final de 2024, os níveis de PIB (Produto Interno Bruto) nas economias emergentes e em desenvolvimento estarão cerca de 6% abaixo dos níveis esperados antes da pandemia. Embora a inflação global deva ser moderada, ela permanecerá acima dos níveis pré-pandêmicos.
Impactos do baixo investimento
A taxa de crescimento dos investimentos nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento caiu, significativamente, de 11% em 2010, para 3,4% em 2019. Sofrendo uma contração em 70% dessas economias durante a pandemia. O que, vale observar, trata-se de um declínio muito mais acentuado do que o de 2009, na esteira da crise financeira mundial. A expectativa do Banco Mundial, dessa forma, é de que essa taxa se mantenha em 3,5% até 2024. Fator que limita as perspectivas de crescimento nesses mercados.
A fraqueza no crescimento e no investimento empresarial, portanto, poderá agravar as já devastadoras inversões na educação, saúde, pobreza e infraestrutura, bem como as crescentes demandas por mudanças que beneficiem as questões climáticas nos países emergentes e em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Durante o período 2022-2024, o investimento bruto nessas economias deverá crescer cerca de 3,5%, em média, sem a metade da taxa que prevaleceu nas duas décadas anteriores.
“O investimento moderado é uma séria preocupação porque está associado à fraca produtividade e comércio, amortecendo as perspectivas econômicas gerais. Sem um crescimento forte e sustentado do investimento, é simplesmente impossível fazer progressos significativos para atingir metas mais amplas de desenvolvimento e relacionadas ao clima”, disse Ayhan Kose. “As políticas nacionais para impulsionar o crescimento dos investimentos precisam ser adaptadas às circunstâncias do país. Mas sempre começam com o estabelecimento de estruturas sólidas de política fiscal e monetária, bem como a realização de reformas abrangentes no clima de investimentos”.
Questões que vão ao encontro do “Plano de retomada da indústria brasileira”, apresentado recentemente pela CNI (Confederação Nacional da Indústria): “Confiança em baixa no setor industrial brasileiro no início de 2023”.
De acordo com o presidente da entidade, Robson Braga de Andrade, entre os requisitos para que se inicie um novo ciclo de prosperidade no Brasil, está a estabilidade macroeconômica, com inflação controlada, juros baixos e contas públicas equilibradas “É preciso que haja uma melhora substancial no ambiente de negócios para que o setor produtivo consiga ser mais competitivo”, diz Andrade.
Para tal, seria imperativo que o novo governo e a nova legislatura do Congresso Nacional priorizassem medidas para a redução do Custo Brasil, incluindo a implementação de uma reforma tributária, nos moldes da PEC 110, em estágio avançado de tramitação no Congresso e que tem como diretriz principal simplificar e tornar menos oneroso e mais equitativo o sistema de cobrança de impostos.
Crescimento econômico de economias avançadas
O crescimento nas economias avançadas, por sua vez, está projetado para diminuir de 2,5% em 2022 para 0,5% em 2023. “Nas últimas duas décadas, abrandamentos desta escala prefiguraram uma recessão global”, acende o alerta o Banco Mundial.
Nos Estados Unidos, o crescimento deverá cair para 0,5% em 2023. O que representa um declínio de 1,9 pontos percentuais em relação às previsões anteriores. Sendo este o desempenho mais fraco fora das recessões oficiais desde 1970.
Na zona do euro, para este ano espera-se que o crescimento seja de 0%, uma revisão para baixo também de 1,9 pontos percentuais.
“Há muito debate sobre se os EUA e a zona do euro entrarão em recessão. Mas, independentemente de entrarem ou não no campo recessivo em termos técnicos, a sensação que terão é de que vivem uma recessão”, disse Kose.
Para o economista responsável pelo relatório do Banco Mundial, a queda recente nos preços da energia proporciona algum alívio. Graças em parte a um inverno mais quente na Europa, o gás natural tem sido negociado a um valor abaixo do nível anterior à guerra na Ucrânia, que havia levado a uma disparada dos preços. Embora a inflação geral deva cair com os custos menores da energia, o núcleo da inflação — excluindo aqui itens mais voláteis, como energia e alimentos — continuará preocupante.
Riscos à economia global
Há, portanto, uma grande lista de riscos que se apresentam nesse novo cenário. Além da questão dos investimentos, em especial nas economias emergentes e em desenvolvimento, outra grave ameaça ao crescimento é que os bancos centrais elevem ainda mais as taxas de juro para combater a inflação e as mantenham altas até que a inflação esteja “de forma persistente” sob controle.
Segundo Kose, as taxas de juro globais estão flutuando em torno dos 5%. Uma alta de um ponto percentual reduziria o crescimento mundial neste ano de 1,7% para 0,6%; e a produção per capita teria contração de 0,3%, devido ao aumento da população. O que, segundo o especialista, corresponde “à definição técnica de uma recessão mundial”.
No Brasil, segundo projeções do Banco Central, a previsão da taxa de juros básica da economia nacional (Selic) foi mantida em 12,25% para este ano. Bem acima. Leia mais: Projeções para a economia brasileira e o impacto no setor moveleiro em 2023.