A saga da crise bancária norte-americana continua: Mais bancos sofrem com retiradas massivas de caixa. E no Brasil?

A saga da crise bancária norte-americana continua: Mais bancos sofrem com retiradas massivas de caixa. E no Brasil?

Atualizações e o que precisamos saber sobre o assunto

Afinal, o que está acontecendo com os bancos americanos?

Desde o dia 15 de março, os bancos regionais americanos já pediram empréstimos de US$164 bilhões junto ao FED (Banco Central Americano), na busca por se proteger de possíveis riscos de liquidez. O caso é um reflexo da elevação da taxa de juros em 2022, considerada a mais rápida da história. 

Em um intervalo de poucos meses, o FED  elevou os juros nominais do país de 1% para 4%. Fato que resultou em uma redução do valor de face de títulos comprados por bancos e investidores antes da elevação.

Na prática, quem comprou US$100 em títulos americanos que pagavam 1% de juros ao ano, passou a ver estes US$100 agora valerem US$60, ou menos, com os juros em 4%.

Como função primária, os bancos recebem depósitos, remunerando os depositantes em uma determinada taxa de juros, e após isso destinam estes valores para empréstimos ou títulos públicos. Os empréstimos possuem prazos maiores para retornar, o que deixa os bancos sentados em títulos públicos como garantia para caso alguém decida sacar seu dinheiro. 

Com a alta de juros, os depositantes passaram a querer sacar seu dinheiro para investir eles próprios nos títulos do governo. Dinâmica que causou um prejuízo ao SVB de US$1,8 bilhões ao vender estes títulos. Levando, assim, o mercado a desconfiar de que o prejuízo total poderia ser muito maior e afetando significativamente o capital do banco.

Ainda é cedo para nos preocuparmos? A crise bancária pode chegar até o Brasil? O que ocorreu na última semana? Mais um economista ouvido pelo Setor Moveleiro responde.

Na primeira entrevista publicada sobre o assunto, logo após as quebras do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, em que ouvimos o economista José Pio Martins, consultor financeiro e de investimentos, o profissional detalhou os impactos da situação na economia global. Ressaltando, então, pontos importantes como o temor do efeito cascata e de uma nova crise como a de 2008: a crise financeira internacional, que derrubou as bolsas de valores e que foi precipitada pela falência do tradicional banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, uma das mais antigas instituições bancárias do país. 

Apesar desse temor, o profissional ressaltou que as instituições brasileiras têm fundos próprios que garantem uma certa tranquilidade aos correntistas, trazendo certo alívio, a priori, para o mercado nacional.

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Lá fora, porém, novos desdobramentos preocupam. Primeiro, com os impactos no europeu Credit-Suisse. Alguns dias depois, mais um banco norte-americano enfrenta problemas de liquidez. Desta vez foi o First Republic Bank, uma instituição de médio porte, que viu suas ações derreterem em poucos dias.  Entretanto, o sistema bancário da terra do Tio Sam agilmente se movimentou e reforçou o caixa da instituição, que, aliás, conta com 11 grandes bancos. 

Setor Moveleiro entrevista: quebra de bancos americanos e o sinal de alerta para uma nova crise global

O motivo da nova crise bancária? Os clientes passaram a retirar os recursos, devido às notícias de quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, alguns dias antes. 

Para tirar dúvidas sobre estes desdobramentos e, quem sabe, dar mais segurança (assim esperamos!) aos investidores brasileiros, decidimos ouvir mais um especialista. 

O nosso entrevistado esta semana é o economista Wilhelm Eduard Meiners, que é mestre em Desenvolvimento Econômico (UFPR); consultor e analista de Desenvolvimento Regional e Urbano da Fundação Universidade Federal do Paraná (FUNPAR) e pesquisador do INCT – Observatório das Metrópoles – Núcleo Curitiba na linha de pesquisa em Economia Metropolitana, Finanças Municipais, Sistemas Regionais de Produção e Ecossistemas de Inovação. 

Basicamente, fizemos perguntas similares ao especialista, na busca por novas perspectivas com base nas atualizações sobre o caso uma semana depois. E, sim, a situação ainda está nebulosa.

Setor Moveleiro Entrevista: Wilhelm Eduard Meiner

Setor Moveleiro: O que é a “corrida aos bancos” e como isso afeta o setor financeiro? 

Wilhelm Eduard Meiners: Bancos comerciais emitem obrigações com alta liquidez (depósitos à vista) e baixo custo, mas com riscos peculiares. Isso, pois são vulneráveis aos saques inesperados dos clientes e vivem sob a ameaça de refinanciar suas dívidas todos os dias para manter sua solvência. Além disso, mesmo tendo parte de seus ativos em títulos de boa qualidade, como títulos públicos, para lastrear aplicações de curto prazo de seus clientes, correm o risco de corrida bancária, que são retiradas excessivas dos clientes sem cobertura de liquidez de curto prazo, motivadas por crises de confiança. 

O que surpreendeu na falência do SVB foi a velocidade da contaminação entre os clientes e a corrida bancária em tempos de transferências digitais de recursos e redes sociais, sem filas nas portas das instituições financeiras e com menor tempo de reação das autoridades monetárias. 

SM: Podemos dizer, então, que as novas tecnologias têm exercido um papel importante na arquitetura desse cenário?

WEM: Embora as novas tecnologias não tenham mudado os fundamentos do setor bancário, elas aumentam o risco de corridas bancárias. Isso porque ficou mais fácil retirar recursos de fundos de investimento e contas correntes. Além disso, as mídias sociais turbinam rumores que podem estimular uma corrida de retiradas simultâneas. Questões que podem afetar o sistema financeiro se a Autoridade Monetária (Banco Central) não oferecer garantias aos depositantes. O que pode, consequentemente, gerar insolvência dos agentes com seus fornecedores, empregados e outras instituições financeiras. Assim, contaminando rapidamente outros bancos, que também, uma vez ameaçados, sofrem novas corridas de depositantes e ocorre um efeito dominó nas falências. 

Cabe, no caso americano, ao Tesouro, ao FED e ao FDIC (instituição federal garantidora de créditos) garantir a solvência do sistema bancário e o depósito dos clientes bancários para evitar que a crise se torne sistêmica e ocorra, como em 1929, uma “geada negra”, que provoque uma quebra generalizada de instituições financeiras regionais.

SM –  Você acredita, então, que as novas más notícias em relação aos efeitos em outros bancos, além da já notória quebra do Silicon Valley Bank nos Estados Unidos, pode causar um efeito cascata como o de 2008?

WEM:  Não se espera isso. Afinal, mesmo se tratando de uma instituição relevante, 16º maior banco comercial e 2ª maior quebra bancária norte-americana, bem como da constatação de falhas regulatórias diante de um aumento de taxas de juros básicas, não se trata de uma crise sistêmica e nem de uma crise provocada por “Moral Hazard” (risco moral) pelo excesso de exposição em operações e títulos de elevado risco.

Mesmo que as falhas de regulação bancária e dificuldades diante do aumento da taxa de juros revelem que não se trata de uma crise pontual, pois outras instituições, pequenas, como o Signature Bank (Nova York) e o Silvergate Bank (especializado em criptomoedas) também foram drasticamente afetadas, não se espera uma crise generalizada ou que atinja outros países, além das oscilações das bolsas e de taxas de câmbio. Mas é preciso ficar atento aos sinais de inconsistência no sistema financeiro afetado por um regime de juros elevados.

SM: Como as autoridades americanas estão lidando com a situação dos bancos? Por que os investidores estão preocupados com a possível quebra de outras instituições?

WEM: As falhas regulatórias do FED revelam que seus instrumentos não estão adequados para perceber e defender as instituições financeiras diante da elevação na taxa de juros e problemas de liquidez. Mostra que precisam estar mais atentos aos fatores que afetam a liquidez dos balanços bancários, mesmo nas instituições bem calçadas em títulos públicos e papéis de boa qualidade. 

No caso do SVB, a situação é pior, pois a base de clientes do Vale do Silício está sendo afetada pelo desemprego e encolhimento de oportunidade e escalada dos negócios nas startups. A crise da instituição reduz a oferta de Venture Capital para startups e empresas de TI, com a expansão da crise na região.

SM: Apesar das falhas, então, essas medidas tomadas pelo Federal Reserve são suficientes para evitar a escalada da crise?

WEM:  Sim. O governo norte-americano, FED e FDIC agiram rápido para cobrir os recursos dos depositantes e garantir a liquidez ao sistema, evitando a contaminação para outras instituições, contendo o efeito dominó.

SM: E como tudo isso tem reverberado nos mercados mundiais?

WEM:  Espera-se oscilações, a curto prazo, nas bolsas de valores. Isso, pois, investidores, nesses momentos precisam reduzir sua exposição a risco e fogem para a segurança. O movimento gera valorização das moedas conversíveis e perda de valor de moedas periféricas, ambos frente ao dólar. Dessa forma, os países precisam estar preparados para esta oscilação, com bons fundamentos macroeconômicos para enfrentar piores situações de risco de solvência. 

SM: Quais são os cenários possíveis e como os grandes bancos brasileiros estão envolvidos nesse problema? 

WEM:  Os bancos brasileiros, mesmo os de menor porte, dadas as regras de garantia de liquidez e instrumentos de socorro bancário, disponíveis no Banco Central para atender as Instituições reguladas do Sistema Financeiro Nacional, correm reduzidos riscos financeiros a seus depositantes. Pode haver aqui, como ocorreu lá, uma corrida bancária instantânea e surpreender a curto prazo alguma instituição. Mas, mesmo assim, os grandes bancos operam com um nível de solvência-índice de Basileia, que relaciona a participação de recursos próprios como proporção dos empréstimos bancários concedidos, superior ao mínimo de 11% exigido pelo Banco Central. 

SM: Há, porém, alguma possível consequência para a economia brasileira?

WEM:  O País é afetado pelas oscilações na bolsa e pela aversão ao risco que pode conter ingresso de capitais externos mais suscetíveis. Se o Brasil lançar novos fundamentos fiscais e conter movimentos especulativos no câmbio, pode reduzir, no entanto, a perversidade das oscilações. Defesas menos postadas podem comprometer a flexibilidade dos juros pelo COPOM no final desse mês. O Federal Reserve anunciou que já tomou medidas de emergência para impedir que uma crise se agravasse. 

Nas fintechs, a tendência é que haja mais exigências de capital e desconfiança de investidores, com a aversão a risco encarecendo custos de captação.

SM: A crise financeira global de 2008 teve um grande impacto na indústria brasileira. Existe o risco de que o fechamento do Signature Bank e do SVB possa ter um impacto semelhante em outra indústria?

Wilhelm Eduard Meiners:  A indústria brasileira já está sendo bastante prejudicada pela interrupção da recuperação econômica, pós-crise da pandemia, afetada pelos níveis atuais de taxa de juros, elevado grau de endividamento das famílias, inflação de custos e baixa competitividade internacional. Será ainda mais afetada, porém, se a curva da taxa de juros voltar a subir e houver retardo na necessária flexibilização monetária e redução da taxa básica de juros.

De uma forma geral, custos mais elevados para investimentos e menor expectativa para retomada do crescimento retardam decisões de investimentos, afetando atualização tecnológica e competitividade setorial.

SM: A queda das ações dos bancos pode afetar o acesso das empresas à capitalização necessária para a inovação e o crescimento também no varejo?

WEM:  A queda das ações dos bancos devem ocorrer por dificuldades de empresas de varejo diante da compressão do poder de compra e grau de endividamento das famílias brasileiras, por ora mais grave que os efeitos pontuais de crise do SVB. 

SM: E como o fechamento do Silicon Valley Bank pode afetar a indústria de tecnologia e startups?

WEM:  A crise do SVB já é reflexo da crise das indústrias de alta tecnologia e startups nos EUA, que vem sendo percebida com a onda de demissões e falências de unicórnios ao longo de 2022 e que chegou aos bancos que financiam o setor. No Brasil, isso representa aperto de crédito e menos recursos de Venture Capital, maiores exigências de garantias e, assim, dificuldades financeiras para startups e pequenas empresas de tecnologia que dependem de crédito para sua escalada.

SM: Com as criptomoedas tomando fôlego, este seria mais um argumento para a descentralização econômica?

WEM: As criptomoedas ganham fôlego como fuga de depositantes e investidores para ativos especulativos. Mas as perdas com criptomoedas recentes geraram rombos sensíveis a instituições financeiras especializadas em criptoativos, uma delas com o final das operações na semana passada, o Silvergate Bank.  

Descentralização econômica e menor regulação estão na base da crise do SVB, que gera aumento dos problemas de solvência das instituições financeiras. As criptomoedas, ativos muito voláteis,  apresentam maiores riscos de liquidez que podem ser insuportáveis para agentes econômicos reais. De forma que devem permanecer como ativos periféricos no sistema financeiro internacional. 

A opção da descentralização financeira não ocorre. Mas, sim, uma acomodação estrutural com novos agentes dominantes e evolução nos formatos regulatórios. Garantindo, portanto, segurança a investidores financeiros e poupadores; bem como caminhos seguros de crédito para governos, empresas investidoras e consumidores.

Dados Brutos: Balanço das Instituições Financeiras (elaborado por Wilhelm Eduard Meiners, economista)

Conglomerado Bancário    Índice de Basileia*

BNDES                                         36,0%

Caixa Econômica Federal         18,4%

Banco do Brasil                          16,7%

Bradesco                                     15,8%

BTG Pactual                                15,2%

Itaú                                              14,7%

Santander                                  14,5%

Safra                                           12,4%

* O Índice de Basileia é calculado a partir da relação entre o patrimônio líquido e o valor ponderado dos ativos de um banco, que são aqueles que possuem maior risco de crédito.

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