O mês de janeiro marcou o lançamento da Nova Indústria Brasil (NIB), uma audaciosa política de neoindustrialização proposta pelo governo federal. Com um horizonte de implementação de dez anos e um aporte significativo de R$ 300 bilhões destinados a financiamentos até 2026. Essa iniciativa surge como resposta à desindustrialização que tem afligido o país, conforme evidenciado no histórico gráfico abaixo. O Plano de Ação, dividido em seis missões ou eixos de atuação, revela-se complexo e abrangente, recebendo críticas e elogios por parte de pesquisadores e do mercado.
A plataforma Setor Moveleiro buscou informações junto à ABIMÓVEL, que faz parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), para aprofundar a compreensão do plano e suas implicações reais para a indústria. Além disso, conversamos com Newton Guimarães, pesquisador da Fundação de Dados, que destacou a complexidade das regras do plano, afirmando que “regras complicadas produzem informações desencontradas”. Pesquisadores do FGV IBRE também apontaram a falta de métricas quantitativas de monitoramento como um erro do passado que precisa ser corrigido para o sucesso futuro da NIB.
O livro “O Futuro da Indústria no Brasil – Desindustrialização em Debate”, do FGV IBRE, apresenta uma série histórica que evidencia a queda na participação da indústria de transformação no Valor Adicionado (VA) ao longo dos anos, conforme demonstrado em um gráfico (abaixo). Apesar de uma recuperação recente, essa retomada ocorreu apenas nos valores correntes, pois os preços dos bens industriais aumentaram acima da média dos preços na economia.
Avaliação dos planos de ação da Nova Indústria Brasil
Segundo o pesquisador Newton Guimarães, as semelhanças entre a Nova Indústria Brasil (NIB) e a Nova Matriz Econômica (NME), implementada durante o governo de Dilma Rousseff entre 2011 e 2014, geram preocupações para a indústria moveleira. Ele alerta que as medidas governamentais, embora estimulantes, podem incorrer nos mesmos erros que resultaram em consequências desastrosas para a economia. “Ao buscar estimular com dinheiro público determinadas indústrias ou setores, acabou entregando ineficiência na alocação de recursos, endividamento público, inflação, desemprego e corrupção, com resultados desastrosos para a economia do País”, considera o pesquisador.
Newton Guimarães utiliza dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para ilustrar o impacto da NME na indústria moveleira, evidenciando uma retração de 28,2% na produção física no triênio 2014-2016.
Riscos associados às medidas protecionistas e crédito subsidiado
O pesquisador da Fundação de Dados, Newton Guimarães, considera que apesar da alocação significativa de recursos, as diretrizes para a distribuição dos R$300 bilhões até 2026, sendo R$250 bilhões via BNDES, permanecem pouco claras nos mais de 100 slides do plano de ação divulgados pelo governo. Na sua opinião, essa falta de transparência pode impactar setores não totalmente alinhados às agendas específicas, incluindo agroindústrias, saúde, bem-estar nas cidades, transformação digital, descarbonização e defesa.
A preocupação central reside na possibilidade de repetição de erros, como direcionamento de recursos para indústrias específicas com crédito subsidiado e medidas protecionistas. Isso, alerta Guimarães, poderia resultar em ineficiência, corrupção, aumento de impostos e redução da competitividade, comprometendo a produtividade do país.
“O risco é, justamente, ao direcionar recursos para determinadas indústrias, com crédito subsidiado, e ainda com medidas protecionistas (obrigatoriedade de determinado percentual de conteúdo nacional), entregue-se, novamente, ineficiência e corrupção, acompanhados de aumento de impostos, reduzindo aquilo que realmente importa para o país: produtividade, cujo pressuposto básico, além de educação, é competitividade”, afirma Newton Guimarães, pesquisador da Fundação de Dados.
Impactos a curto e médio prazo para a Indústria Moveleira
Apesar de potenciais benefícios imediatos para o setor moveleiro, há receios quanto aos impactos a médio prazo, incluindo aumento do endividamento público, inflação, manutenção de taxas de juros elevadas e encarecimento do crédito. O pesquisador considera a possibilidade de estagflação também, com desaceleração econômica e inflação em ascensão.
“Por outro lado, hoje a sociedade está muito mais atenta às práticas de crédito direcionado e subsidiado, além das pautas de responsabilidade fiscal e governança, o que pode, em tese, mediar eventuais distorções e excessos. Há de se esperar, prudentemente, para avaliar se o atual governo aprendeu com os erros do passado”, avalia.
ABIMÓVEL expressa expectativas em relação à NIB
De acordo com a ABIMÓVEL, embora ainda seja prematuro avaliar completamente os impactos do Plano de Ação recentemente entregue à Presidência da República, a Associação também compartilha de apreensões em relação aos mecanismos de implementação e fiscalização. Irineu Munhoz, presidente da ABIMÓVEL, destaca a preocupação central: “Como o Governo Federal irá incentivar a indústria, garantindo a efetiva utilização dos recursos públicos de maneira transparente e eficiente”, pontua. Considerando que “para a indústria moveleira, isso implica na necessidade de estar alinhada com as diretrizes do plano, assegurando que os recursos sejam empregados de maneira que proporcione desenvolvimento, inovação tecnológica e sustentabilidade”.
Segundo Irineu Munhoz, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirma que todo projeto financiado será submetido a um sistema rigoroso de metas, métricas, monitoramento e sanções em caso de não cumprimento do acordo, incluindo a possível devolução dos recursos. Uma novidade em relação às contrapartidas é que o BNDES e a Finep vão exigir que as empresas tomadoras de recursos para inovação façam registro de suas criações/patentes no Brasil. Isso também promoverá um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico nacional.
Setor moveleiro avança na governança industrial brasileira
É fundamental ressaltar que, a convite do ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, a ABIMÓVEL agora faz parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Sua meta é aprofundar a discussão e aprimorar a governança nos processos de formulação das políticas nacionais de desenvolvimento industrial. Esse passo é significativo na atuação propositiva da ABIMÓVEL em benefício do setor moveleiro e da indústria no Brasil.
É importante lembrar que a Nova Indústria Brasil contará com o apoio de instrumentos financeiros e não financeiros, coordenados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).
O objetivo é superar atrasos produtivos e tecnológicos, promovendo inclusão socioeconômica, capacitação profissional, redução das desigualdades, sustentabilidade e aprimoramento geral do país. Este novo papel da ABIMÓVEL reflete seu comprometimento com o desenvolvimento sustentável e a melhoria contínua do cenário industrial brasileiro.
Oportunidades e investimentos na indústria moveleira
A plataforma Setor Moveleiro perguntou à ABIMÓVEL sobre as principais oportunidades do Plano de Ação para modernização e inovação nas empresas moveleiras. Com aportes de R$ 300 bilhões até 2026, provenientes de diversas fontes, o plano visa promover a neoindustrialização nacional, com foco em inovação e metas até 2033.
O BNDES liderará o financiamento para inovação e digitalização, enquanto o MDIC facilitará o crédito para bens voltados à exportação. Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e Embrapii (Financiadora de Estudos e Projetos) contribuirão para pesquisa e desenvolvimento, coordenadas pelas prioridades do governo definidas no CNDI. A política adota novos instrumentos de captação, como a linha de crédito de desenvolvimento (LCD), e “um arcabouço de novas políticas – como o mercado regulado de carbono e a taxonomia verde – para responder ao novo cenário mundial, onde a corrida pela transformação ecológica e o domínio tecnológico se impõem”.
Os recursos estão no Plano Mais Produção, com eixos para ampliar a capacidade industrial, inovação, sustentabilidade e exportação de forma contínua nos próximos três anos. “Todos com potencial de impactar positivamente a indústria moveleira nacional”, afirma Irineu Munhoz.
Missão de transformação digital da indústria para ampliar a produtividade
O Plano de Ação da Nova Indústria Brasil é composto por seis abrangentes missões (conforme quadro). Acreditamos que as Missões 4 e 5 estão mais voltadas ao contexto da indústria moveleira. Neste artigo, porém, vamos destacar a Missão de Transformação Digital e futuramente nos aprofundar em outro cenário.
Na Missão 4, que envolve a Transformação Digital da Indústria para Ampliar a Produtividade, a meta é digitalizar 90% das empresas industriais brasileiras, buscando triplicar a participação da produção nacional nos setores de novas tecnologias. Já a Missão 5, que abordaremos em outra ocasião, é intitulada Bioeconomia, Descarbonização e Transição e Segurança Energéticas para Garantir os Recursos para as Gerações Futuras. Seu objetivo é promover o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade na indústria, aumentando-o em 1% ao ano.
Brasil Mais Produtivo: transformação digital no setor industrial
De acordo com dados de 2021, obtidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cetic), e publicado pelo Plano de Ação para a Neoindustrialização, apenas 23,5% das empresas industriais são digitalizadas.
O Brasil Mais Produtivo destaca-se como um dos principais instrumentos para alcançar a Missão Transformação Digital. Este programa visa apoiar a produtividade e a transformação digital de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), incorporando melhores práticas gerenciais e a digitalização da gestão.
Oferece também otimização de processos produtivos, aumento da eficiência energética, soluções de crédito com juros baixos para a implementação de projetos de transformação digital na indústria, e recursos não reembolsáveis para o desenvolvimento de novas tecnologias associadas à Indústria 4.0 e às “smart factories” (fábricas inteligentes). Principais órgãos estatais envolvidos: MDIC, BNDES, MCTI, ABD.
Digitalização na indústria moveleira: perspectivas da Abimóvel
Para o presidente da Abimóvel, Irineu Munhoz, a inclusão digital é fundamental para a sobrevivência e o desenvolvimento de empresas. “Esta missão, que visa digitalizar 90% das empresas industriais, têm o potencial de transformar a inovação no setor moveleiro”, afirma, alinhando-se às ações já realizadas pela ABIMÓVEL, como a Jornada Digital, por exemplo.
Irineu Munhoz afirma que, para se preparar para essa transformação, as empresas moveleiras devem aproveitar os benefícios do NIB para investir em capacitação e treinamento de funcionários. Bem como, na atualização de infraestrutura tecnológica e estabelecimento de parcerias estratégicas com fornecedores de tecnologia. “Um dos desafios será a integração de sistemas e processos existentes com novas tecnologias digitais, bem como da capacitação dos recursos humanos para atuarem com essas tecnologias. Além disso, será essencial manter um equilíbrio entre a automação e a preservação das habilidades artesanais e criativas que são características valiosas do nosso setor”, orienta.
ABIMÓVEL busca apoio em Brasília
Segundo a ABIMÓVEL, a digitalização tem o potencial de facilitar não apenas a modernização dos parques fabris no país, mas também dos processos criativos, de gestão e de vendas, com a implementação, por exemplo, de tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), IA degenarativa, automação avançada, análise de dados e machine learning.
Isso também permitirá uma maior personalização dos produtos (seja em matéria de qualidade, design ou conformidade com normas regulamentadoras), assim como de serviços, otimizando cadeias de suprimentos e aprimorando a gestão de estoques. “Essas mudanças tendem aumentar a não apenas a eficiência operacional, mas também impulsionar a inovação em design, funcionalidades e sustentabilidade dos produtos, revertendo-se em mais negócios”, acredita.
“Estamos comprometidos com essa transformação e confiantes de que ela trará benefícios significativos para a indústria moveleira do Brasil”, afirma Irineu Munhoz.
A Abimóvel reconhece a necessidade de mais incentivos para o setor moveleiro nacional. Afinal, como o sexto maior produtor de móveis do mundo e gerando 268,6 mil empregos diretos e indiretos no país, desempenha um papel ativo na economia do país. Dessa maneira, o setor está analisando minuciosamente o Plano, buscando compreender “como nossas empresas podem melhor se beneficiar de forma inteligente e estratégica de cada uma das missões”, considera.
Em fevereiro, uma comitiva da ABIMÓVEL estará em Brasília, cumprindo agenda oficial que inclui o diálogo direto com lideranças políticas e industriais. O objetivo é alinhar estratégias em relação ao NIB e reivindicar pautas importantes, como a inclusão do mobiliário em programas de financiamento habitacional, como o Minha Casa, Minha Vida.
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