Após um período recorde de taxas de juros baixas, as economias globais estão sentindo o impacto do aumento da inflação e lutando para mitigar uma crise de custo de vida que já se instaura no mundo todo, incluindo o Brasil, que vivencia o pior panorama de poder de compra dos últimos cinco anos. O aumento dos preços e da ansiedade financeira têm causado mudanças relevantes no comportamento dos consumidores, com mais da metade da população global limitando os gastos com itens não essenciais, segundo a WGSN, especialista em previsão de tendências.
De acordo com o time de analistas da empresa de pesquisas de mercado, as análises sugerem que essa tendência apresentará longevidade de consumo. O que impactará, por consequência, diversas indústrias, com forte influência, então, na moveleira.
“Dois anos de estímulos econômicos dos governos impulsionaram a economia durante a pandemia. Mas agora muitos países estão enfrentando aumento da inflação, choques na cadeia de suprimentos e queda na confiança do consumidor”, ressalta a WGSN no estudo “Custo de vida: novos comportamentos de consumo”.
Conforme definido pela organização britânica Institute for Government, a crise do custo de vida consiste em uma queda na renda real disponível, deixando os consumidores preocupados por não conseguirem atender às suas necessidades básicas. No próprio Reino Unido, aliás, 23% da população adulta informou que tiveram dificuldade em pagar as contas de casa no final do primeiro semestre do ano passado; e 43% declararam que provavelmente não teriam condições de poupar dinheiro nos 12 meses seguintes.
No Brasil, situação semelhante. Em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), também no final do segundo semestre de 2022, um em cada quatro brasileiros declararam não ter conseguido pagar todas as contas do mês.
O Ipsos Essentials Survey 2022 revelou que 84% dos indianos que moram em ambientes urbanos estão preocupados com sua capacidade de pagar as contas. Já nos Estados Unidos, pouco menos da metade da população adulta relatou sentir preocupação constante com o aumento dos preços.
Com a elevação dos custos, portanto, levando consumidores não só a se endividarem, mas também a reavaliarem seu comportamento de gastos, especialmente com itens não essenciais.
Crise no custo de vida: consumidores gastam menos com itens não-essenciais
“A crise do custo de vida é um problema sério, principalmente para os mais velhos. A expectativa é de que essas pressões aumentem cada vez mais. O que será complicado para as empresas. Mas, como os dados mostram, as marcas que são justas e transparentes com seus preços e proposta de valor serão mais bem-vistas pelos clientes daqui para frente”, compartilha o diretor geral do Institute of Practitioners in Advertising, Paul Bainsfair.
O pensamento vai ao encontro do que falamos aqui na semana passada: “Afinal, se tanto a confiança quanto o poder de compra dos consumidores estão abalados, é agora que ele deverá escolher com ainda mais cuidado as empresas e os produtos nos quais investirão seu dinheiro. Demonstrar que sua empresa é confiável será cada vez mais um fator determinante na decisão de compra dos consumidores no varejo. E é aí que aquelas três expressões que a gente tanto usa aparece novamente como uma divisora de águas: governança ambiental, social e corporativa”. Leia o conteúdo completo em: “Caso Americanas: os temores e os aprendizados para o varejo brasileiro”.
Nos EUA, pesquisas revelam que a população está comendo fora com menos frequência, enquanto 33% estão gastando menos com entretenimento. No Reino Unido, os britânicos têm investido menos em serviços de streaming, como Netflix e Disney+.
Os consumidores também estão deixando de comprar itens de cuidados pessoais. Uma pesquisa de 2021 da varejista britânica Boots e da instituição beneficente The Hygiene Bank revelou que 69% dos professores observaram crianças com higiene precária porque os pais não podem comprar itens básicos, como sabonete, creme dental e desodorante. Condições que são tipicamente exacerbadas pela inflação crescente.
“As marcas têm a oportunidade de demonstrar empatia com os consumidores. O congelamento de preços em produtos de marca própria, conforme prometido pela varejista britânica Superdrug, é um exemplo de atitude que transmite tranquilidade às pessoas”, aponta a WGSN. Oferecer a possibilidade de reduzir o preço de um item caso o cliente o encontre mais barato em um concorrente, por exemplo, também é uma maneira de priorizar o tempo e a carteira do consumidor.
Impacto no varejo brasileiro
“O fato é que os consumidores estão sofrendo com o aumento dos preços de alimentos e gasolina, às vezes tendo que escolher entre visitar vários supermercados para pesquisar preços ou fazer todas as compras no mesmo estabelecimento para economizar em combustível”, dizem os especialistas.
Na passagem de outubro para novembro do ano passado (última Pesquisa Mensal do Comércio – PMC-IBGE), as vendas no comércio varejista no País recuaram 0,6%. No acumulado de janeiro a novembro, o varejo avançou 1,1% e, nos últimos 12 meses, 0,6%.
Das oito atividades pesquisadas, seis tiveram resultados negativos no penúltimo mês do ano. As principais influências sobre o índice geral vieram de Combustíveis e lubrificantes (-5,4%) e Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (-3,4%).
Para o gerente da pesquisa, Cristiano Santos, a Black Friday, que ocorre no fim de novembro, não resultou em números muito positivos para o comércio varejista nacional. “Esse desempenho mais fraco da Black Friday contribui fortemente para o resultado negativo do setor varejista em novembro. As condições macroeconômicas, como a falta de crescimento de crédito, a alta dos juros, a estabilidade do valor do Auxílio Brasil e a volta da inflação, acabam impactando a renda das famílias e diminuem o consumo”, explica.
Fator que se intensifica no setor moveleiro, que, além de uma demanda amplamente atendida nos últimos anos e um cenário de menos estímulo ao consumo de móveis com o retorno às atividades presenciais, lida também com preços altos devido a uma carga inflacionária mais elevada do que em outros setores, fechando o ano em +18,38%.
Dessa forma, entre janeiro e novembro de 2022, as vendas de móveis no varejo nacional acumularam uma queda de 11,1% quando comparadas às vendas de igual período em 2021 — leia mais.
Enquanto nos esforçamos para encontrar soluções que minimizem o impacto dessas questões externas sobre os nossos negócios, finalizamos com um pensamento de Carla Buzasi, presidente e CEO da WGSN: “O consumidor de hoje é diferente dos consumidores de ontem e de amanhã. Em um mundo em rápida evolução, equilibrar as necessidades de hoje com as exigências do amanhã é algo fundamental para qualquer marca interessada em continuar existindo no futuro”.
E como toda essa ansiedade e essas diversas mudanças vêm influenciando a confiança do consumidor brasileiro agora em 2023? É sobre isso que falaremos amanhã aqui na Plataforma Setor Moveleiro. Fique ligado!