Em mais um artigo exclusivo para a Plataforma Setor Moveleiro, a consultora e especialista em sucessão familiar, Léia Wessling, fala agora dos desafios da sociedade entre irmãos. Veja a seguir!
Cerca de dois terços das empresas em todo o mundo são de origem familiar. No Brasil, os índices são ainda maiores, pois os negócios familiares representam mais de 80%. Isso quer dizer que a maior parte do empreendedorismo é regida por elementos que vão além dos negócios: fatores emocionais, sociais e relacionais traduzem o tom e a forma como empresas e outros patrimônios são geridos no nosso País.
O caderno Identidade da Família Empresária, publicado em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, reconhece que “as empresas familiares duradouras costumam ser o reflexo de famílias empresárias unidas por uma identidade que expressa a personalidade e as aspirações do grupo.” Quando estamos diante de uma típica família empresária, vemos os fundadores, considerados membros da primeira geração, realizarem grandes sacrifícios pessoais para tornar real seu sonho de empreendedorismo. A família, composta por cônjuge e filhos, costumam vivenciar suas experiências pessoais, sociais e familiares integrados com a empresa, seus produtos e serviços, funcionários e clientes.
É comum, então, ouvir relatos de filhos de empreendedores sobre lembranças de infância relacionadas a passeios na fábrica nos fins de semana, horas de permanência na empresa durante períodos de férias escolares ou mesmo no contra-turno da escola. Assim como também é comum ouvir relatos de diferentes sacrifícios ou experiências vivenciadas pelos irmãos, reflexo dos diferentes ciclos de maturidade das empresas. Conversas de trabalho em volta da mesa de refeições, reuniões de negócios na sala de estar e muitas celebrações do Dia do Trabalho. Inclusive há aqueles funcionários considerados “prata da casa”, que acompanham e dão suporte ao crescimento de filhos dos empreendedores.
Dessa forma, quando analisamos o comportamento sistêmico da família empresária, podemos reconhecer duas tipologias básicas. Uma delas é a família “aglutinada”, aquela que apresenta forte sentido de lealdade e pertencimento, interesses e metas comuns, com membros passando a maior parte do tempo juntos. Estes podem, inclusive, sacrificar seus próprios interesses individuais em nome da família. Há também a família “desligada”, que tende a construir seus interesses e destinos de maneira individual, evitando, assim, o contato muito direto e próximo. Estes optam por não tratar diretamente de determinados temas, desenvolvendo subsistemas familiares independentes.
Comunicação e cooperação são fundamentais para o sucesso
Vários estudos reconhecem o risco de descontinuidade de empresas familiares ao longo dos ciclos geracionais. Estima-se que apenas 40% das empresas familiares resistem até a segunda geração, e apenas 12% até a terceira. Da minha prática, observo que o sucesso ou o fracasso da empresa familiar não está relacionado à tipologia básica da família empresária (aglutinada ou desligada), mas, sim, ao seu padrão cultural e de relacionamento. A comunicação e a cooperação podem existir em ambos os modelos. Representando, assim, um fator determinante para o sucesso ou fracasso, já que reflete o padrão cultural da família: seus costumes, rituais, valores e regras de conduta.
Outro fator de grande impacto é a sucessão. Afinal, grande parte das famílias empresárias não dispõe de um processo organizado para desenvolvimento das novas gerações. Ao mesmo tempo em que a família empresária conta com um um destino biológico que vincula seus membros, sua convivência conjunta é o que determina suas condutas, educação, bem como modelo social e de relacionamento. Com as mudanças advindas dos novos ciclos de vida familiar (a chegada de novos membros, casamentos, divórcios, perdas, experiências, formações e vida social), o sistema passa a ganhar maior complexidade, exigindo nova organização e a descentralização de decisões.
Sociedade entre irmãos
Na sociedade entre irmãos, também identificamos diferentes desafios. Estes, relacionados tanto ao desenvolvimento pessoal e profissional de cada membro quanto no reconhecimento do lugar de cada um na família, além da gestão patrimonial e dos negócios. Aspectos relacionados a reconhecimento (versus competição); autoestima (versus insegurança); inteligência emocional (versus dependência emocional); competências (versus falta de preparo); envolvimento cultural e de valores (versus falta de credibilidade); bem como a aspiração de cada membro pelo envolvimento nos negócios e na liderança; enfim, se diferenciam a cada realidade.
No entanto, considero três elementos-chave de sucesso na sociedade entre irmãos:
1. A INDIVIDUAÇÃO
Reconhecer as diferenças entre os irmãos, dando vazão e valor às suas expectativas e estilos. A maturidade emocional depende, em grande parte, do quanto cada um dos irmãos pode reconhecer seus talentos individuais, estilos e preferências. Caso esse processo não tenha sido vivenciado, os irmãos tenderão, em qualquer tempo, a compararem-se mutuamente. Dessa maneira, rivalizando e reavivando conflitos e traumas do passado. Por isso, torna-se tão fundamental que se invista no desenvolvimento pessoal e profissional. Não apenas na juventude, mas também na vida adulta. A individuação gera o amadurecimento emocional, que tem como consequência o reconhecimento social.
2. A COOPERAÇÃO
A partir da individuação, é possível construir o lugar de cada irmão na relação familiar, patrimonial e na gestão dos negócios. É fundamental que os irmãos não dividam o mesmo espaço de liderança. Mas, antes disso, que se reconheçam um a um. Compreender a diferença entre os espaços e entre ser gestor e sócio, para que consigam cooperar para o sucesso de ambos os papéis. É importante também, aqui, que os irmãos possam delimitar os espaços de seus próprios cônjuges e filhos (terceira geração), para que a sociedade e os negócios não sejam impactados por jogos familiares e vice-versa. Nessa direção, a sociedade entre irmãos precisará estabelecer os limites de participação e influência dos demais interessados. A comunicação e a capacidade de resolver suas diferenças é chave para esta cooperação.
3. A GESTÃO E A GOVERNANÇA
Profissionalizar as decisões por meio das ferramentas e modelos de gestão (planejamento estratégico, metas e indicadores, separação de ativos, assim como recursos pessoais e empresariais) e também de governança (reuniões e instrumentos específicos para pautas de família, da sociedade e da gestão dos negócios). Na medida em que as pautas, informações e responsabilidades estão organizadas e distribuídas, herdeiros, sócios ou gestores encontram seus espaços de participação e delimitam suas responsabilidades.
Em síntese, a sociedade entre irmãos tende a ter sucesso na medida em que se reconhece que os talentos individuais e a cooperação entre eles trazem crescimento e desenvolvimento, tanto para a família quanto para os negócios. Ao mesmo tempo em que se empreende tempo e recursos para a manutenção de valores como transparência, prestação de contas e equidade nas relações com todos os envolvidos.
Léia Wessling é psicóloga, empresária e consultora. É diretora da Light Source e autora do livro Mindset | Liderança Estratégica