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Empresa familiar: Mensagem aos fundadores

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No artigo de estreia de sua coluna na Plataforma Setor Moveleiro, a consultora Léia Wessling traça um panorama bastante ilustrativo dos processos, desafios e oportunidades da sucessão na empresa familiar

José (nome fictício) é fundador de um grupo empresarial, cuja principal preocupação, em seus 65 anos, continua sendo com o futuro. Na juventude, passou um período na casa do tio, onde pôde se apoiar em seus conselhos. Ouvia sempre: “Faça a diferença!” Aos 30 anos resolveu empreender, fazendo de fato a diferença na vida de pelo menos 500 colaboradores, mais de 1.500 clientes e em toda a comunidade onde os negócios se fixaram.

Sua dedicação ao negócio sempre foi imensa. Acordava muito cedo e dedicava-se com prazer e afinco ao trabalho nos sete dias da semana. Recebia o apoio e também conselhos da esposa para cuidar da saúde e reservar um tempo à família. Os três filhos cresceram e foi possível dar cada vez mais acesso à educação formal e também mais conforto financeiro.

Talvez, para o terceiro filho, a vida não tenha sido tão dura quanto para a primogênita. Mas em meio a nascimentos, intempéries, formaturas, perdas, casamentos, separações, a família seguiu com muito envolvimento de dois dos três filhos nos negócios. Agora, com cinco netos, sendo um formado e outros dois na etapa de escolhas profissionais e de vida. E todos os dias, esse respeitável empreendedor segue a rotina diária de acompanhamento dos negócios, contando com forte espírito de liderança, ambição e vontade de continuar crescendo e sustentando família e patrimônio pelas próprias mãos em seus negócios.

Essa é uma história típica de empreendedores que, com muito sacrifício pessoal e vontade de vencer, constroem negócios e sustentam suas famílias. A construção de uma empresa familiar pode lhes trazer certa segurança, ao mesmo tempo em que conhecem os sacrifícios necessários à sua manutenção. E os movimentos geracionais necessários para que uma família empresária se desenvolva e com isso desempenhem seus negócios passam também pela liderança e iniciativas desse fundador.

Para apoiá-los nesse processo, há três aspectos essenciais que trazem maturação para a empresa familiar:

  1. Em primeiro lugar, a coesão familiar

O diálogo e o compartilhamento entre os membros da família empresária servem para que valores sejam sustentados; o patrimônio seja valorizado; e para que a gestão do negócio se sustente na descentralização das visões, responsabilidades e decisões. É quando o próprio fundador reconhece que não precisa carregar toda a responsabilidade sozinho e que pode contar com pessoas da sua mais íntima confiança. Assim, será possível construir uma visão de futuro compartilhada com as diferentes gerações.

Os diálogos em família podem considerar as seguintes reflexões: qual é a missão da nossa família empreendedora na sociedade? Quais são os valores que não abrimos mão e que levamos para todos os negócios? Qual é a visão de futuro? Qual é o nosso papel na sociedade e que reputação queremos manter? Como podemos dar força e sustentação para a família, ao patrimônio e para a gestão?

  1. Em segundo lugar, o ambiente empresarial

Analisar constantemente o cenário e as oportunidades apresentadas no mercado para os negócios em que estão inseridos. A história futura dos negócios com as novas gerações à frente da empresa familiar não será escrita pelas mesmas regras e dinâmica que vigoraram no período de construção dos negócios. Se, no início, os empreendedores contavam com conselhos de especialistas e outros empresários, com o crescimento da família podem contar também com as percepções e experiências que seus filhos e netos trazem para somar e agregar ainda mais valor.

Isso pode levar também à diversificação dos negócios, investimentos e oportunidades. É importante que o empreendedor reconheça este futuro incerto e nebuloso, para que consiga reconhecer os novos meios pelos quais seu patrimônio e negócio serão conduzidos. Algumas questões para ajudar nessa reflexão: Como estarão os negócios no futuro? Onde investir? Quais os mercados? Ainda estaremos neste negócio quando fizermos a próxima transição de sucessão? Como nos manteremos competitivos?

  1. Em terceiro lugar, a sucessão como um processo cíclico e contínuo na empresa familiar

Esse tema nasce junto com o negócio, apesar de ainda assombrar fundadores e líderes.  Não é possível sustentar ou crescer uma empresa familiar ou não sem a expansão da liderança e a descentralização do poder. Com o aumento da expectativa de vida, fundadores que desaceleravam a partir dos 60 anos, se veem com muita disposição física e mental para empreender e desenvolver projetos no longo prazo. Ao mesmo tempo, as novas gerações cada vez mais cedo demonstram uma grande sede de envolvimento, empreendedorismo e inovação.

O tempo do sucessor, que no passado estava fixado em 40 anos, agora se mostra antes dos 30. E o tempo do sucedido, que estava fixado nos 60 anos, está expandido por pelo menos mais 20. O que isso significa? Que para manter a segunda e a terceira gerações engajadas no negócio, é necessário dialogar sobre as aspirações, envolvimento e responsabilidades com os negócios e também sobre o desenvolvimento de competências.

E este é um movimento que, quando parte da iniciativa do próprio fundador, traz consistência e acelera o desenvolvimento da empresa. Pois se reconhecem mais pessoas dispostas a colaborarem para realizar a visão de futuro. Sendo assim, é importante manter a atenção sobre algumas questões de maneira constante: Qual é a hora da sucessão? Como engajar as gerações nos negócios? Quais os níveis de aspiração, engajamento e capacidade de cada membro para sucessão e colaboração nos negócios?

Mindset das diferentes gerações

Considerando que 80% dos negócios no Brasil são familiares (dados do IBGE), é na sua família empresária que está a oportunidade de se desenvolver uma identidade empresarial de longo prazo e que impacte na cultura e no desenvolvimento geracional. O sucesso de hoje não necessariamente será o sucesso de amanhã, por toda a dinâmica que está se estabelecendo nos mercados, tecnologias e economias. Mas o futuro pode ser ainda melhor quando se integra o mix geracional e se reconhece a importância do mindset das diferentes gerações.

Por isso, fundador, seu desafio principal é atuar a partir de um viés inclusivo frente ao desenvolvimento dos negócios e das pessoas. Você também pode desenvolver um tipo diferente de sucessor, com capacidade para apoiar decisões estratégicas, de ampliar portfólio, buscar inovação e para diversificar os ativos. O momento certo para a sucessão é a partir da fundação da empresa. Mas, caso você ainda não tenha iniciado, então é agora.

E, quanto ao José, lá do começo do texto, na medida em que se entrega a viver esses três movimentos – coesão familiar, ambiente empresarial e sucessão -, é capaz de reconhecer mais claramente seu próprio legado, reduzindo as preocupações e aumentando sua paz de espírito, uma vez que o futuro, mesmo incerto e nebuloso, não representa mais a responsabilidade de um, mas de um colegiado chamado família empresária.

Léia Wessling é psicóloga, empresária e consultora. É diretora da Light Source e autora do livro Mindset | Liderança Estratégica

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