A governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas (IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa). Este sistema pode ser o divisor de águas para o sucesso, longevidade e perenidade dos negócios, inclusive de uma empresa familiar. Vejamos:
Primeiramente, na perspectiva de empresário, a figura do sócio é aquela que compartilha algo ou faz coisas em conjunto com outro (aliado, parceiro). Também podemos definir como sócio, aquele que se associou a outro em empresa comercial, industrial e de serviços (Consórcio).
Portanto, em uma sociedade de negócios empresariais, os sócios possuem direitos e deveres em relação a voto, retirada de lucro, recesso, fiscalização e preferência. Decorre que se a sociedade não possui regras como acordos de sócios, reuniões ou assembleias formais o processo tende a fugir do controle e muitas vezes, para uma eventual pacificação de decisão empresarial, se torna necessário a arbitragem (intervenção) entre as partes por profissionais habilitados. Todos esses pontos citados tornam-se mais sensíveis quando a organização em questão possui a característica de uma empresa familiar.
A definição de Empresa Familiar no âmbito da administração e propriedade é a organização em que tanto a gestão administrativa quanto o patrimônio, são controlados na sua maior parte por uma ou mais famílias e/ou dois ou mais membros da família participam da força de trabalho. Comumente os integrantes da diretoria configuram este exemplo.
Desafios e fases nas empresas familiares: reflexões para a perpetuação
Dentre as principais características das empresas familiares estão as decisões muitas vezes pautadas por emoções, prolongamento de crises constantes, dificuldade na descentralização de poderes, lealdade e dedicação como critérios de contratação e/ou promoção de pessoas, dificuldade em separar a família da empresa, existência de conflitos constantes, onde o perfil do sucedido é igual ao perfil do sucessor.
Nesta seara, com relação às fases e gerações nas empresas familiares, podemos considerar a primeira fase como aquela em que há presença do fundador, marcado com espírito empreendedor e os conflitos geralmente são melhor administrados. Na segunda fase (Após Sucessão), surge o aparecimento de conflitos (aqui, geralmente sem a presença do fundador) e a falta de espírito empreendedor, característico da primeira geração não é mais percebido. Geralmente os conflitos ocorrem entre pai versus filho, versus irmãos, versus parentes, versus amigos. Não ocorrem obrigatoriamente nesta mesma ordem e/ou com as mesmas partes, mas ocorrem. Na terceira fase em diante ocorre a falta de liderança, pulverização da sociedade devido a muitos conflitos, e, consequentemente a venda da empresa ou fechamento são muito comuns.
Taxa de fechamento de empresas por setor e a sustentabilidade das empresas familiares
No Brasil, em média, segundo estatísticas do SEBRAE (2020/2021), o número médio de abertura de novos pequenos e médios negócios chegou a 4 milhões. 80% dessas empresas são familiares. Os MEI´s têm a maior taxa de mortalidade entre os pequenos negócios, 29% fecham após 5 anos de atividade. Já as ME´s têm taxa de mortalidade intermediária entre os pequenos negócios e 21,6% fecham após 5 anos de atividade. As EPP´s têm a menor taxa de mortalidade entre os pequenos negócios e 17% fecham após 5 anos de atividade. A maior taxa de mortalidade é verificada no comércio (30,2% fecham em 5 anos) e a menor na indústria extrativa (14,3% fecham em 5 anos).
Em um contexto mundial, 33% das empresas familiares realizam a sucessão da primeira para a segunda geração e 5% das empresas realizam a sucessão da segunda para a terceira geração. Estes números, somados ao grau de sobrevivência apresentado, acentuam-se ainda mais a necessidade de atenção e reflexão dos impactos na economia por intermédio das empresas familiares, considerando ainda que a maioria dessas empresas possuem grande parte da massa salarial empregada de acordo com a CLT.
Preparando a próxima geração: plano de formação dos herdeiros e sustentabilidade empresarial
Muitos fundadores cometem o engano de justificar a demora no preparo da geração seguinte em detrimento ao comprometimento de funções dentro da empresa (falta de capacidade dos herdeiros), adiando por sua vez o processo sucessório.
Entre as atitudes salutares nas organizações familiares, os sócios atuais não devem negar ou esconder suas diversidades de interesses e opiniões quanto à formação de seus sucessores, sobretudo, à medida que essas diversidades e interesses crescem quantitativa e qualitativamente em relação ao sucesso do negócio. Contudo, a partir da preparação da segunda geração é fundamental separar as diferentes instâncias do poder que estão unidas na figura do fundador em relação a seus herdeiros como forma de libertação ao processo sucessório.
Estabelecer um plano de educação e formação dos herdeiros, primeiramente para o papel de acionistas, uma vez que é este o verdadeiro papel e responsabilidades que irão ter como legado é a certeza do melhor início do caminho para a sucessão. É fortemente recomendado a estruturação de um conselho familiar, um conselho societário e o estabelecimento de um acordo de sócios, estruturas as quais garantirão a geração de compromissos, a regulação dos direitos e deveres, pois representaram a vontade das partes, reduzindo a presença de conflitos, regulando as formas de saída da sociedade, harmonizando interesses individuais da família, da sociedade e da empresa.
Estruturas de governança para uma transição de sucesso na empresa familiar
Exemplos e atitudes de boa liderança pelos sócios fundadores, tais como: o diálogo respeitoso, aceites, concessões mútuas, humildade, equilíbrio de postura, conduta e profissionalismo entre as partes, são entendimentos e demonstração de que ninguém, isoladamente, vai ser o único dono e gerir o negócio da forma que lhe convier. Essas atitudes fazem a diferença na formação da conduta profissional dos herdeiros devendo ser implementadas e incentivadas na liderança do processo de profissionalização da sociedade.
Por fim, o(s) fundador(es) devem ter a consciência de que a empreitada deverá prosseguir sem a sua presença a partir de um momento. Em um determinado tempo, devem refletir sobre suas garantias financeiras para o futuro, planejar ações concretas para o seu afastamento (de preferência com um novo projeto de vida), estabelecendo um plano de preparação dos herdeiros contemplando a gestão do negócio e as providências em relação a herança. Devem incentivar o atendimento do acordo societário estabelecido.
Os herdeiros (e sócios) devem ter a consciência de que poderão ter que assumir um negócio contrário à sua vontade. Devem ter a consciência e a responsabilidade de informar, em tempo, sua vontade de sair ou não querer ingressar na sociedade. Uma vez cientes do desafio da sucessão, devem preparar-se profissionalmente, eventualmente, independentes dos negócios e dividendos, sabendo separar a sociedade, a família e a gestão, assumindo suas obrigações e respeitando o acordo societário estabelecido.
Setor moveleiro: tradicionalmente um setor familiar
O setor moveleiro por ser tradicionalmente um setor familiar, deve analisar a situação do processo de sucessão considerando seu atual estágio de maturidade frente a sua nova estrutura de gestão para negócios.
Mas qual o modelo ideal para a nova estrutura de gestão, seguindo modelos de sucessão ocorridos no mercado brasileiro?
Como exemplos, existe o modelo de sucessão familiar propriamente dito, em que se prepara o sucessor dentro da própria empresa para que ele siga na gestão com os sonhos e projetos que até então, geralmente foram receitas de sucesso e crescimento. O sucessor percorre os principais setores da empresa para conhecer o processo, inteirar-se e quando possível ter o domínio da atividade. Este modelo foi adotado na Paropas, de Ubá.
Pode acontecer também da nova estrutura de gestão ser estruturada com conselhos de administração para os sócios familiares e o cargo de gestor seja exercido por critérios de qualificação, mesmo sendo da família. Este foi o caso da Caemmun.
Para todos os casos e para a realidade atual, projetando um cenário futuro, o que deve ser verificado independente de qual modelo seja estruturado, o novo modelo de gestão da empresa deve estar atento às novas tendências e desafios que o mundo dos negócios atualmente impõe, sendo necessário ser criativo, ágil, visionário e absolutamente comprometido com o negócio – qualidades estas que só são possíveis com o preparo profissional do sucessor.
Portanto, a maior dificuldade das empresas familiares em sua evolução quanto organização para negócios é a profissionalização da sociedade, e, por mais lucrativa que seja uma empresa familiar o negócio pode sucumbir às oscilações, mudanças de mercado e principalmente a falta de profissionalização e disputas entre seus sócios – herdeiros.
Escreveu este artigo:
Renato Garcia
Consultor Organizacional da Norte3Economista e especialista em Economia Empresarial pela UEL, com MBA em Gestão de Negócios pela USP/Esalq;
Consultor e Instrutor do Sebrae/PR por mais de 10 anos;
Auditor Líder do Sistema de Gestão da Qualidade ISO 9001 e 14001;
@prof.renatogarcia