Empresas Familiares: Enlaces da sociedade entre primos

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Falando sobre sobre a sucessão familiar na indústria moveleira, convidamos a consultora e especialista em sucessão familiar, Léia Wessling, para falar sobre sociedade entre primos, progressão entre gerações e equidade nas empresas familiares. Veja a seguir!

Diante do alargamento da perspectiva e qualidade de vida, é possível que as diferentes gerações na família empresária compartilhem a gestão do patrimônio, do negócio e da família. Avós com 65 anos de idade estão com plena vitalidade para continuarem seus projetos. Pais com 45 anos dispõem de alta energia e produtividade para se manterem na liderança das empresas familiares. Netos, aos 25 anos, estão ávidos por experiências, inovação e empreendedorismo. Dessa conjugação de motivações, habilidades e esforços é que a cultura empresarial se estabelece. Com forte influência, então, da cultura familiar. Mas agora, na terceira geração, com diferentes enlaces.

A terceira geração dispõe de uma experiência familiar e empreendedora muito diferente das gerações anteriores, pois não vivenciaram os ciclos de nascimento dos empreendimentos que caracterizam a família empresária. E também não estavam presentes nas primeiras crises para sustentação do patrimônio e dos negócios. Essa condição muda também os vínculos que constroem com as empresas da família. Grande parte das famílias empresárias, quando nasce a terceira geração, está num estágio onde construiu uma imagem nas suas comunidades e no mercado. Bem como estão também com seus patrimônios estabelecidos.

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Evolução na sociedade entre primos em empresas familiares

No caso da sucessão se dar da segunda para a terceira geração, nossa experiência indica três enlaces determinantes para a evolução da sociedade entre primos. São eles:

Expectativas Individuais

Para a terceira geração, é comum encontrarmos uma forte expectativa de cada um de seus membros em obter e usufruir do retorno econômico dos ativos familiares para seus projetos individuais. São indivíduos que, via de regra, cresceram com hábitos de vida e de finanças mais abundantes. Os que viajam, estudam fora do país, recebem infraestrutura para organização da vida pessoal e familiar… Não dependendo, assim, do trabalho pessoal para suprir suas necessidades.

A forma como cada um estabelece seu estilo de vida e suas expectativas junto ao seu núcleo familiar e, também, como transfere essas demandas para o patrimônio da família empresária, traz reflexos para a sociedade entre primos.

Dispersão dos laços familiares

O laço familiar, que na segunda geração estava concentrado no perfil cultural do fundador e no compromisso entre irmãos, agora está composto por diversos enlaces. Pelo menos dois para cada membro da terceira geração, que somam a cultura de seu pai e de sua mãe e também de outros membros. Se, por um lado, os primos costumam apresentar menos rivalidade entre si, por outro, na comparação com irmãos, também sentem menos responsabilidade uns pelos outros.

Os valores familiares para os primos já não são alimentados por uma única fonte (o fundador). Seu compartilhamento traz heranças emocionais das diversas relações onde e como cada núcleo familiar foi construído.

Controle político e equidade nas empresas familiares

O controle político neste tipo de sociedade também é diferente, de acordo com o número de membros que integram cada núcleo familiar. Quanto maior o número de membros, menor o controle e influência. A quantidade de membros de um mesmo núcleo familiar participando da gestão da empresa também resulta em maior concentração de poder. É comum que os núcleos inclusive dividam os cargos e departamentos em empresas familiares.

A divergência econômica é comum entre membros da terceira geração, uma vez que uns atuam na empresa e outros usufruem de seus dividendos, o que impacta na percepção e tratativas de equidade. Há também uma possibilidade de distanciamento geracional entre primos, com grande distância de idade e, portanto, influência e participação nas decisões.

O icônico livro “Vô rico, filho nobre e neto pobre” faz alusão aos riscos inerentes para a terceira geração, que não passou pela construção do patrimônio por meio da clássica jornada do herói e nem construiu suas riquezas à custa de sacrifícios. O que impacta também no nível de resiliência, que tende a ser menor. Por outro lado, nas novas gerações, e especialmente na terceira, se concentra uma necessidade de ainda maior profissionalização dos negócios, sistemas de governança mais robustos e urgência na remodelagem e inovação em produtos e serviços para as empresas estabelecidas.

Futuro das empresas familiares

Por considerar todos estes elementos que se integram às empresas familiares na terceira geração, é que as expectativas de vida dos negócios neste estágio não são nada animadoras. Num estudo desenvolvido na Itália, por Corbetta e Romaselli, chamado “Boards of Director in Italian Family Businesses” (algo como “Conselhos de Administração em Empresas Familiares Italianas”), foi projetada a ideia de que em 2050, todas as empresas de capital fechado e familiares perderão seu proprietário principal por morte ou aposentadoria na América e na Itália.

Os pesquisadores estimaram também que, até 2040, aproximadamente 10,4 trilhões de dólares americanos em patrimônio líquido serão transferidos para as próximas gerações de empresas familiares. Ao passo em que também se estima que 40% das empresas familiares de todo o globo sobreviverão até a segunda geração e apenas 12% até a terceira. O principal motivo é a sucessão: já que 55% ainda não dispõem de desenvolvimento sucessório.

Elementos-chave na Governança Familiar

Para a continuidade e sustentação das empresas familiares, alguns elementos-chave precisam de maior cuidado na governança familiar, a saber:

Descentralização Patrimonial

Na medida em que a família cresce, os recursos financeiros precisam ser redistribuídos por seus membros. A sucessão patrimonial na família empresária pode resultar numa diluição financeira significativa, aumentando o risco para a própria liquidez e retorno financeiro para os sócios. Na terceira geração, é tempo de descentralizar a gestão patrimonial, para que cada núcleo familiar desenvolva novas fontes de recursos, dentro do seu perfil cultural e de interesses. Junto com esse processo, ocorre um amadurecimento sobre o próprio processo de sucessão, de organização familiar e de participação nos negócios com os outros núcleos familiares.

Diversificação dos Negócios

De um modelo orientado para um único negócio, criado pelo fundador, que muitas vezes permanece como central para toda a família empresária, podem surgir inovações e outras oportunidades. Na evolução dessas famílias — e também para a saúde das próprias empresas familiares —, torna-se importante a diversificação. Esse movimento traz reflexos positivos tanto para a descentralização dos ativos (o que representa risco) quanto para a utilização das aspirações e capacidades de seus membros, que podem colaborar com novas fontes de empreendedorismo.

Governança Estruturada

Instrumentos de Governança são essenciais nesse estágio de evolução da empresa familiar. Especialistas em desenvolvimento humano e dinâmica dos grupos, consultores de governança e conselheiros independentes são capazes de apoiar famílias empresárias e seus negócios. Esse apoio se dá por meio de: boas práticas de governança; no desenvolvimento de sucessores; no planejamento familiar; na mediação de acordos; na estruturação de conselhos consultivo e de família; na mentoria para o desenvolvimento dos negócios e das pessoas; para apoiar na diferenciação entre os diversos papéis e responsabilidades.

Por fim, a sociedade entre primos requer muito mais do que a existência de uma família empresária. Exige um compromisso ativo entre seus membros, a responsabilidade conjunta pela gestão dos ativos, o diálogo aberto, a equidade nas tratativas e o desejo genuíno de empreender conjuntamente nos negócios familiares.

Léia Wessling é psicóloga, empresária e diretora da Light Source. É coordenadora do Capítulo SC do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

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