ESG – Recentemente, o bloco de países europeus anunciou que só comprará produtos oriundos do agronegócio brasileiro se os exportadores comprovarem que, na origem, não houve desmatamento da Amazônia. Importadores querem saber, por exemplo, se o frango ou o porco que estão comprando foram alimentados com ração oriunda de plantações de soja na floresta amazônica; ou se os bovinos pastaram ou não em área desmatada. E o que o setor moveleiro tem a ver com isso?
Utilizando de matérias-primas naturais, como a madeira, para a fabricação de grande parte dos seus produtos, a cadeia moveleira não só assume cada vez mais um compromisso ético e sustentável em relação à origem e o destino dos insumos de produção, como vem sendo cada vez mais pressionada por compradores e consumidores finais. Devendo, portanto, estabelecer posicionamento ambiental, fazer rastreamento da cadeia de valor e assegurar medidas de mitigação das mudanças climáticas não só como um diferencial, mas como uma nova necessidade de mercado.
Não por acaso, o tema “sustentabilidade” deverá marcar o grande retorno do Salone del Mobile.Milano, principal feira moveleira no mundo, ao seu formato tradicional. “Apostar na temática sustentável é um exemplo da determinação do Salone em se tornar um verdadeiro motor de mudança, com honestidade, compromisso e transparência. Isso será alcançado focando na qualidade e construindo um sistema com todos os atores envolvidos, conectando pessoas, iniciativas e atividades ao longo do processo”, ressalta a presidente do Salone, Maria Porro.
2022: ano da consolidação do ESG no mundo dos negócios
De fato, a sustentabilidade se tornou um critério não só para a decisão de compra dos consumidores, mas também para a avaliação de investimentos ao redor do mundo. No Brasil, essa mudança no ambiente corporativo foi especialmente sentida em 2021. Com as boas práticas ambientais, sociais e de governança, portanto, ganhando relevância nos negócios e o “ESG” se tornando não só um termo, mas uma prática cada vez mais necessária.
Se o ano que passou trouxe a discussão à tona, 2022 vai ser de expansão dessa agenda. É o que afirma o especialista em sustentabilidade Ricardo Voltolini, fundador da plataforma NetZero, que visa incentivar o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, e também CEO e consultor da Ideia Sustentável.
Voltolini acredita que as discussões sobre o tema se encaminham para a construção de um “ESG à brasileira”. Ou seja, capaz de enfrentar os grandes desafios que o País impõe e que atenda às demandas de uma sociedade cada vez mais atenta. Questão que conversa diretamente com a segunda tendência de consumo levantada pela Euromonitor International para este ano. A temática foi destacada há algumas semanas em nossa série: “10 tendências globais de consumo 2022”.
Se você ainda não leu sobre os consumidores “agentes do clima”, acesse: “Enquanto consumidores buscam minimizar o impacto ambiental, fator preço ainda é um obstáculo para um mercado mais sustentável”.
Net zero e justiça climática
Para o especialista Ricardo Voltolini, que inclusive é autor do livro “Vamos falar de ESG? Provocações de um Pioneiro em Sustentabilidade Empresarial”, as mudanças climáticas seguirão sendo o principal eixo de risco ESG para os negócios. Nesse sentido, assim como falamos no artigo sobre os “agentes do clima”, a descarbonização terá um papel muito relevante. Principalmente porque o carbono representa um custo crescente para as empresas.
A criação de um mercado de carbono internacional, portanto, já discutida e aprovada na COP26, abrirá a possibilidade de compra e venda de créditos no cumprimento de metas de redução de emissões de gases efeito-estufa.
“O Brasil é, reconhecidamente, um potencial credor. Mas há mais dúvidas do que certezas nesse cenário. Resta saber como e em que ritmo o mercado de carbono interno será criado”, diz Voltolini à NetZero.
É importante frisar aqui, porém, a necessidade também de um maior debate sobre justiça climática. Isto é, há um consenso global no mercado financeiro, fortalecido após a COP26, que o capital deve migrar com força para a ideia de net zero. Do mesmo modo, existe uma percepção de que não se afastará o risco climático se não houver um esforço de financiamento da adaptação dos países mais vulneráveis.
“Essa é uma das grandes derrotas da COP26: não houve acordo para a criação de um fundo de auxílio a estes países”, diz Voltolini. A ideia de justiça climática, dessa forma, agora ganha força. Governos terão que olhar com maior atenção para investimentos em mecanismos de adaptação às mudanças climáticas e um caminho para isso poderá ser a emissão de títulos verdes.
Sustentabilidade é compromisso de toda a cadeia moveleira
E, claro, para cumprir metas de net zero, ou seja, de redução de emissão de gases de efeito estufa, as empresas terão que estar cada vez mais integradas com os seus fornecedores. Cobrando, então, por meio de critérios rígidos de seleção e fiscalização, que seus parceiros de cadeia de suprimento também reduzam emissões. “Não dá para cumprir meta olhando só da porta para dentro.”
Isso porque chegamos a um ponto que não dá mais apenas para falar, precisamos agir. Com o aumento do interesse de investidores e consumidores, não bastará às empresas apenas comunicarem metas. Elas precisarão mostrar os seus planos de ação. O que significa de fato demonstrar que essas mudanças em seus processos, produtos e modelos de negócio farão a diferença para atingir os compromissos de neutralização de carbono. “Menos storytelling e mais storydoing”, ressalta o especialista.
Convergência das estratégias ESG
Dessa forma, acredita-se que já em 2022, mais empresas tomarão a iniciativa de construir estratégias de ESG, com diretrizes claras, metas, KPIs e compromissos públicos. “Talvez essa seja a mais importante mudança de lógica advinda da ascensão do ESG. Antes era um tema de escolha, tático e departamental. Passou a ser um tema mandatório, estratégico, do CEO e Conselho de Administração.”
Mas, claro, ainda há muito espaço para expansão neste assunto. Pesquisa da CNI indicou que no final do ano passado, 72% dos líderes brasileiros admitiram ainda estarem pouco ou nada familiarizados com ESG. Em contrapartida, 81% afirmaram que ESG é importante ou muito importante. Além disso, 63% disseram que vão aumentar investimentos em ESG nos próximos anos. Com o modelo devendo, portanto, crescer no Brasil e sair desse estágio de gestão para outro mais estratégico.
Expansão da agenda ESG nas empresas brasileiras
Com este movimento, então, conselhos de grandes empresas, antes pouco interessados no tema, deverão ampliar a atenção para a agenda ESG a partir deste ano. “Espera-se dos conselheiros que estabeleçam uma cultura orientada por propósito, definam metas e métricas capazes de acelerar a agenda e integrem os três temas às principais decisões de negócios”, fala Voltolini.
Para isso devem, também, treinar e desenvolver competências relacionadas a questões ambientais e de governança. Surge, então, um novo tipo de liderança, a liderança sustentável, mais cuidadora, mais ética, mais inclusiva e ecocêntrica.
Afinal, é notável que os consumidores brasileiros estejam se tornando cada dia mais críticos em relação ao desempenho socioambiental das empresas. Pesquisa do Instituto Akatu, em parceria com a Globescan, aliás, mostra que 50% dos brasileiros consideram que a falta de contribuição das empresas impacta numa vida menos sustentável, enquanto a média mundial no índice é de 34%.
“Com a pandemia, o tema pegou uma rota de crescimento. Os millennials e a geração Z são naturalmente mais críticos em relação à origem e ao impacto dos produtos. É uma tendência que veio para ficar”, ressalta, mais uma vez, o criador da plataforma NetZero.
Mercado verde
Dessa forma, a inovação para a sustentabilidade seguirá em movimento de expansão, com ênfase no crescimento das chamadas greentechs ou ESGtech. Que são, portanto, startups cujas soluções podem apoiar companhias na solução de dilemas de ESG, tais como como gestão de resíduos, uso de água e energia, cultivo do solo, controle de desperdício, proteção da biodiversidade e redução de emissões de carbono. Também devem crescer os labs empresariais com foco em ESG, assim como o investimento em sistemas de open innovation orientados para desafios socioambientais.
Com tudo isso, espera-se também que bancos de investimento e de varejo tenham papel relevante na elaboração de fundos mais sustentáveis e na integração de ESG nas estratégias de negociação de dívidas. Os chamados “green bonds” e “ESG bonds”, que consistem no atrelamento da dívida a metas socioambientais, cresceram em 2021 e tendem a seguir na mesma rota de expansão em 2022.
“Uma empresa impacta a região ao seu redor de forma positiva e negativa. Os negócios têm investido até hoje em compensações. Agora, no entanto, o que se tem exigido não é mais uma ‘política de boa vizinhança’, mas de investir no desenvolvimento humano das comunidades impactadas pelo negócio”, finalizada Ricardo Voltolini.
ESG: Uma nova perspectiva da sustentabilidade nos negócios
O assunto foi, também, tema de Webinar Setor Moveleiro ministrado por Caroline Balbino. Ela é especialista no assunto e CEO do Grupo Legalizar, que atua, entre outras áreas, na consultoria ambiental com foco em indústrias de móveis. Relembre:
https://www.youtube.com/watch?v=nqWWw_byKVc&feature=emb_title