A situação da economia global não está das melhores e a última semana pode ter sido só a ponta do iceberg. Com reações, portanto, que poderão ser sentidas ainda mais fortemente pela cadeia moveleira a partir de fevereiro do ano que vem.
Não, esta não é a forma como gostaríamos de abrir o artigo de hoje aqui na Plataforma Setor Moveleiro. Mas é impossível também ignorar as movimentações do mercado brasileiro e global no último mês de setembro. Impactando direta e indiretamente o nosso setor, especialmente a indústria e o varejo popular.
Além da crise logística e de abastecimento, que já foi documentada em conteúdos especiais por aqui — clique para ler —, ao longo das últimas semanas o mercado vem se atentando também à inflação em alta, à disparada do dólar americano e ao crescimento abaixo do esperado nas maiores economias do mundo. Incluindo, infelizmente, a brasileira, que ainda conta com uma série de peculiaridades políticas, econômicas e sociais. Algo que, como é de se imaginar, vem há tempos preocupando os investidores.
Problemas além mares
Isso porque, se de um lado já temos diversos movimentos globais puxando o mercado mundial para baixo. De outro, o cenário de instabilidade e polarização política e econômica no Brasil também não colabora. O País fica ainda mais vulnerável a este panorama, devido, sobretudo, à sensibilidade do mercado atual. Somando, então, o movimento de desvalorização do real brasileiro desde o último ano e a inflação que em agosto (levantamento mais recente) teve a maior alta para o mês em duas décadas.
Quadro que piorou com a Petrobras anunciando nova alta do preço do diesel nas refinarias, elevando o reajuste neste ano a mais de 50%; bem como com as declarações de governadores de que podemos estar vivendo na iminência de apagões pelo País, devido, entre outros fatores, à ausência de chuvas para repor os níveis de reservatórios em diversas regiões. Com o racionamento de água e de energia elétrica já sendo uma realidade em cidades de diferentes portes, inexoravelmente impactando a atividade econômica e industrial no Brasil.
Bolsa de Valores brasileira sofreu três grandes choques em setembro
A combinação destes e outros fatores impulsionou três fortes quedas no Ibovespa, índice de referência para a Bolsa de Valores brasileira, ao longo do nono mês do ano.
A primeira delas como consequência da “crise dos Três Poderes”. Situação que se intensificou especialmente após as manifestações de 07 de setembro, convocadas pelo Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Gerando, assim, preocupações sobre a estabilidade democrática no País e estimulando recuo de -3,78% na Bolsa no dia seguinte. Movimento que se estabilizou após nota oficial de retratação da Presidência, divulgada no dia 09, recobrindo os ânimos do mercado.
Poucos dias depois, porém, o noticiário internacional passou a ser fonte de mais apreensão. O economista da Norte Econômico Consultoria e professor da Kroton Educacional, Renan Luquini, pontua as perspectivas de desaceleração da economia e da produção chinesa, além da crise energética no país, como algumas das mais delicadas questões para a economia global neste momento.
Ressaltando o quadro de restrições impostas pelo governo chinês ao consumo de carvão e à indústria siderúrgica, além do receio de calote da gigante do setor imobiliário mundial, a Evergrande. Um dos maiores conglomerados da China, a empresa declarou recentemente estar com dificuldades de rolar a sua dívida de US$ 300 bilhões. Fato que gerou um sentimento de pânico ao redor do mundo, podendo provocar efeito cascata na economia chinesa e mundial. Com impactos ainda mais significativos em países fortemente exportadores de commodities para a Ásia, como é o caso do Brasil.
Os movimentos da economia global e seus impactos no mercado brasileiro
Se engana, no entanto, quem acha que os obstáculos venham apenas da Ásia. Na Europa, uma disparada do preço do gás natural, com o consumo sendo elevado num momento de oferta restrita e de estoques em níveis críticos, agravou ainda mais o receio de que os custos de energia sejam um desafio crescente para a economia global, que vinha começando a se recuperar dos efeitos do Coronavírus.
Chegando à América do Norte, a sinalização do Fed (Federal Reserve) — o Banco Central dos Estados Unidos — de que pode começar a subir os juros, hoje próximos a zero, já em novembro deste ano, tem impulsionado os rendimentos dos títulos da dívida do governo norte-americano. Atraindo para lá investimentos antes focados em outras economias, incluindo a brasileira. Com taxas acima de 1,5%.
“O mercado brasileiro também acaba sendo impactado por essas questões. Pois, em momentos de instabilidade, há uma fuga para ativos mais seguros”, explica o economista Arthur Pentagna. “Por terem receio do que pode acontecer com a economia, os investidores saem de aplicações mais arriscadas, como ações e moedas de países estrangeiros, e migram para aplicações mais conservadoras como ouro, dólar e títulos públicos.”
Com menos dólar circulando por aqui, ainda, a tendência é que a moeda continue subindo.
Terceiro choque na bolsa de valores balançou a economia brasileira na última semana do mês
No dia 28 de setembro, outra queda considerada grave pelo Ibovespa: -3,05%, aos 110.123,85 pontos. Situação que puxou um sobe e desce na Bolsa. Com a moeda americana alcançando, assim, sua quinta alta consecutiva, de 0,85% na data, e oscilando em até R$ 5,47 nos dias posteriores.
O Ibovespa fechou em queda no último dia de setembro (30) e aprofundou as perdas do mês, que totalizaram -6,57%. O pior mês do benchmark desde março de 2020, quando o índice despencou -29,9% no auge da primeira onda do Coronavírus. Importante ressaltar, ainda, que os resultados de setembro representam o terceiro mês seguido da Bolsa de Valores em baixa. Com a desvalorização desde o início de julho chegando a 12,48%.
Dólar americano nas alturas e seus perigos para a economia global
Considerando todos esses comportamentos do mercado, o dólar americano subiu 0,34% no último dia do mês, fechando a R$ 5,44. Acumulando, com isso, alta mensal de 5,35% no mercado brasileiro. Essa é a maior valorização da moeda americana desde janeiro, quando avançou 5,53%.
Ontem, na primeira terça-feira de outubro (05), quando esta reportagem foi fechada, o dólar americano já havia chegado a R$ 5,49. Maior cotação em seis meses.
Mas quais os efeitos destas tendências na Bolsa de Valores e no valor de câmbio da moeda americana na economia brasileira?
Quem explica é o economista Renan Luquini. “Imagine um estrangeiro querendo investir no Brasil. Para isso, ele terá de trocar seus dólares por reais, o que faz com que a cotação da moeda norte-americana diminua. Pois haverá mais dólares disponíveis no mercado. Todavia, ele investirá em ações na bolsa de valores, o que fará com que o valor das ações da bolsa suba.” Infelizmente o contrário também se aplica. “Quando os índices da bolsa caem, é sinal de que há poucas pessoas investindo em ações. Ou seja, isso é um sinal de que há pouco dólar entrando no País. Esse mecanismo explica, em parte, o porquê de o preço do dólar e o índice Bovespa caminharem em sentidos opostos na maioria das vezes.”
“Caso o ritmo continue como está, isso tornará cada vez mais difícil a vida das empresas que dependem de matérias-primas importadas refletindo em preços maiores e desestimulando a demanda interna dos produtos. Já as empresas exportadoras tendem a ter mais dias de bonança”, ressalta o economista, que tem larga experiência no setor moveleiro.
Inflação brasileira desenha um dos piores cenários em vinte anos
Luquini ainda pontua que o Brasil tem um cenário já desenhado de crescimento inferior e inflação elevada, o que faz crescer no mercado a tese de que o governo buscará alternativas populistas para poder chegar competitivo às eleições de 2022.
O que, por um lado é bom, por injetar dinheiro extra — e ainda bastante necessário — no orçamento das famílias, que poderá ser usado para a compra de bens duráveis, como os móveis, a exemplo do que ocorreu a partir do pagamento das primeiras parcelas do Auxílio Emergencial de R$600 no ano passado. Quando as vendas de móveis cresceram na média de 30% entre julho e outubro de 2020 em comparação com iguais meses em 2019 — número que chegou a casa dos 70% em algumas regiões mais dependentes de auxílios governamentais, como na Bahia.
Por outro lado, porém, a situação vem levantando as antenas de empresários e investidores. Isso por conta de boatos de que o Governo Federal estaria costurando uma proposta para adiar parte do pagamento de precatórios para poder deslanchar o “Auxílio Brasil”, programa social que viria a substituir o “Bolsa Família”, que passaria de R$180 para R$300 por mês.
Posição do Governo
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que diante da atual situação, a pasta aguarda posicionamento do Supremo Tribunal Federal, mas já adotou soluções pela via legislativa. “Temos que escolher: vamos pagar os mais frágeis e vulneráveis ou vamos pagar os superprecatórios? Estamos esperando essa orientação do Supremo. Mas fizemos a via legislativa e eles vão nos apoiar porque sabem que os brasileiros não podem ficar sem esses recursos. Temos este compromisso e o Congresso vai nos ajudar”.
Para o economista Arthur Pentagna, “ao permanecer o dogma ao redor do teto de gastos, o governo seguirá com pouca margem de manobra para estimular a demanda e tentar reaquecer a economia nacional”, no entanto.
Para o FMI, ‘economia brasileira tem se saído melhor do que o esperado’
Apesar do cenário preocupante, o FMI (Fundo Monetário Internacional) declarou no final do mês de setembro, conforme noticiado pela Forbes com informações da Reuters, que o desempenho econômico do Brasil tem sido melhor do que o esperado. “Em parte devido à resposta enérgica das autoridades à medida que a economia emerge da desaceleração causada pela pandemia”, que afeta a todos os países.
A previsão do Fundo para o crescimento econômico da maior economia da América Latina é de expansão de 5,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2021, inalterada em relação à estimativa de julho. O que representaria um crescimento de 1,2% frente a queda de 4,3% em 2020 comparado a 2019. Ainda abaixo do necessário para a recuperação econômica, mas apresentando movimento de melhora.
A pandemia, no entanto, exacerbou os desafios de longa data para um maior crescimento e inclusão socioeconômica, segundo o Fundo, com o mercado de trabalho, sobretudo, estando atrasado em relação à recuperação da produção e a taxa de desemprego, que continua alta no País (13,7%).
Por fim, o Conselho do FMI se mostrou a favor da recente postura de política monetária “hawkish” (dura com a inflação) do Banco Central. Isso, conforme a instituição busca ancorar as expectativas no Brasil, que tem o terceiro maior índice inflacionário entre os países do G20, atrás apenas da Argentina e da Turquia. O próprio Banco Central subiu, no último dia 30 de setembro, sua estimativa de inflação para o fechamento de 2021 de 5,8% para 8,5%, com base no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O teto da meta era de 5,25% e o centro 3,75%.
E como tudo isso impacta o setor moveleiro?
Os resultados dos últimos meses vêm levantando bandeiras vermelhas para Laercio Comar, CEO da ADDE – Indicadores de Apoio à Gestão e colunista da Plataforma Setor Moveleiro. Para o especialista, a situação, que já é delicada, pode piorar com a virada do ano. “Estou especialmente preocupado. Fechamos setembro sem ter uma cartela robusta de pedidos para o final de ano, como tradicionalmente acontece”.
Para Pentagna, o impacto para a indústria de transformação como um todo é ambíguo. “De um lado permite que os empresários sejam mais competitivos a nível internacional, pelo preço dos bens finais ficarem mais baratos em dólares. Por outro, deve aumentar os custos em setores que têm uma dependência alta de insumos importados [como é o caso do moveleiro].”
Quer saber mais sobre as opiniões e análises dos especialistas em economia e indústria sobre os rumos do setor moveleiro nacional? A gente continua essa conversa em nosso artigo de amanhã. Não perca!