Setor Moveleiro entrevista: quebra de bancos americanos e o sinal de alerta para uma nova crise global

Setor Moveleiro entrevista: quebra de bancos americanos e o sinal de alerta para uma nova crise global

Confira entrevista com José Pio Martins, economista, consultor financeiro e de investimentos sobre a quebra de bancos americanos, o efeito cascata e o temor de uma nova crise como a de 2008

As notícias recentes sobre a falência do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank nos Estados Unidos acenderam o alerta vermelho no mercado financeiro global, inclusive para países como o Brasil.

O evento levanta questionamentos sobre o impacto que essas falências podem ter nos mercados mundiais, nas fintechs brasileiras e sobre a possibilidade de uma nova crise como a de 2008.

Especialistas afirmam, porém, que os grandes bancos brasileiros não correm riscos. Alguns, até afirmam haver exagero entre os investidores. Entretanto, relatam dois possíveis cenários: 

  • O primeiro é o banco central americano dar liquidez e financiamento adicional ao mercado. Isso vai evitar um grande colapso, o que abriria espaço para cortes nos juros.
  • O segundo cenário é mais negativo, no qual o problema dos bancos americanos passaria para outros bancos, incluindo os do Brasil. 

Ainda é cedo para prever o impacto. Mas o mercado financeiro global já busca respostas a fim de tentar se precaver e encontrar soluções.

Ponto de vista: entrevista com o economista José Pio Martins: quebra de bancos americanos

Em entrevista para a Plataforma Setor Moveleiro, o economista José Pio Martins, que também é professor, palestrante e consultor de economia, finanças e investimentos, respondeu algumas questões sobre o cenário gerado por uma das maiores quebras bancárias da história americana e como isso atinge o Brasil.

José Pio Martins, economista, professor, consultor financeiro e de investimentos

Setor Moveleiro. Qual o impacto da falência do Silicon Valley Bank nos Estados Unidos e como isso pode afetar outros países como o Brasil?

Pio Martins: O eventual impacto da falência do SVB ocorrerá somado ao efeito do mesmo problema havido com o Signature Bank. Mas a dimensão desse impacto acumulado pode se dar em duas direções possíveis: uma, é o tamanho da influência da situação caso as autoridades monetárias nada venham a fazer para solucionar o desastre financeiro dos dois bancos; a segunda é o tamanho do impacto caso as autoridades assumam o problema, injetem recursos nas duas instituições e comandem a solução. No segundo caso, o impacto será bem menor.

SM. Quais os cenários possíveis e como os grandes bancos brasileiros estão envolvidos nesse problema?

PM: Como as autoridades monetárias dos Estados Unidos, com o Federal Reserve (Fed) à frente, já anunciaram que vão agir rápido e irão garantir que os depositantes não perderão seus depósitos nos dois bancos, o sistema norte-americano não deverá sofrer abalos (desde que não surjam outros casos de falência bancária, com o controle dos saques por parte da população). Com isso, não deverá haver contaminação da crise na Europa e menos ainda no Brasil.

SM. Qual o impacto da falência do SVB nos mercados mundiais e nas fintechs brasileiras?

PM: As fintechs surgiram inicialmente para realizar operações financeiras sem serem instituições de intermediação de capitais. Ou seja, se uma fintech presta serviços financeiros, mas não capta depósitos do público, de forma que não haja risco de impor perdas financeiras ao público, essa fintech não cria problema financeiro pela simples razão que ela não trabalha com dinheiro de depositantes. Porém, quando a fintech passa a atuar como se fosse um banco, aí ela passa a ser regulada como instituição financeira intermediadora de capitais. Logo, ela deve se submeter à regulação bancária e fiscalização pelo banco central. As consequências iniciais, quando ocorrem problemas com bancos e outras instituições financeiras, são duas: o público começa a migrar para bancos grandes, antigos e sólidos; como consequência, geralmente vem o endurecimento da regulação.

SM. O que todo mundo se pergunta: essa falência deverá afetar outros bancos e pode gerar uma nova crise como a de 2008?

PM: A crise financeira de 2008 foi mais ampla. Pegou um número grande de instituições, atingiu instituições financeiras nos Estados Unidos e na Europa, além de envolver um valor gigantesco de créditos insolventes, muitas vezes maior que os problemas do SVB e do Signature Bank. Logo, não vejo como o problema atual possa ter a magnitude da crise de 2008.

SM. Você acredita que as medidas do Federal Reserve serão suficientes para evitar uma crise tal qual aquela que ocorreu há 15 anos?

PM: As medidas de socorro e injeção de capitais para conter a crise restrita aos dois bancos com problemas, encontram-se, inicialmente ao menos, em torno de US$ 70 bilhões. O que é um valor pequeno para a dimensão da economia dos Estados Unidos. Nesse caso, sim, as medidas devem impedir o crescimento da crise.

SM. De que maneira, contudo, os bancos e o mercado brasileiro já se preparam para eventuais impactos?

PM: Desde os anos 1990, os países começaram a exigir que o sistema bancário constitua um fundo, com recursos dos próprios bancos, para servir como uma espécie de seguro contra crises. No Brasil, foi criado o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) para socorrer os depositantes e investidores em ativos financeiros. Como falei na pergunta anterior, a dimensão da crise desses dois bancos norte-americanos, caso fique restrito a apenas esses dois bancos, não haverá impacto comparado com a crise de 2008.

SM. Por que os investidores estão preocupados com outros bancos?

PM: Quando uma empresa de um dado setor de atividade entra em crise, o público associa aquela crise de uma empresa com a hipótese de que pode haver uma crise de todo o setor. No caso do setor financeiro, a sensibilidade do público é maior ainda, por uma razão simples: trata-se de dinheiro de pessoas, famílias, empresas e outras instituições sociais. 

SM. Este cenário já está afetando a indústria de tecnologia e startups nos Estados Unidos. E no Brasil, pode atingir também?

PM: Toda crise empresarial produz dois tipos de efeitos. Um é o efeito imediato derivado do rombo apresentado pelas empresas em crise, que no caso do setor bancário é sempre relevante. Outro é o efeito de levar o público e as próprias empresas do setor a realizarem mudanças, sempre sob o olhar mais duro da lei regulatória das atividades do setor. Nesse sentido, sim, pode haver efeito no Brasil.

SM. A queda das ações dos bancos pode afetar o acesso das empresas à capitalização necessária para a inovação e o crescimento na indústria de tecnologia?

PM: Sim, sem dúvida. Houve certo relaxamento nessa onda de startups e fintechs. De forma que, apesar de terem surgido daí empresas maravilhosas e inovadoras, houve também muita aventura irresponsável sustentada no dinheiro fácil, inclusive esse foi um problema sério presente na crise do SVB.

SM. Quais segmentos industriais seriam mais afetados?

PM: Esse tipo de crise afeta todo o setor financeiro. Cujo principal efeito neste caso será maior rigor na concessão de crédito e injeção de capital de risco nas startups, sobretudo nos setores de tecnologia inovadora.

 

Entenda o caso: quebra de bancos americanos, o que aconteceu com o SVB?

O Silicon Valley Bank (SVB), maior credor de startups de tecnologia dos EUA, foi fechado pelo regulador financeiro do estado. Isso ocorreu porque o banco havia vendido US$ 21 bilhões em títulos com prejuízo de US$ 1,8 bilhão.  Entretanto, buscava levantar US$ 2,25 bilhões em capital. 

Os negócios com as ações da controladora SVB Financial foram interrompidos após queda de 64% nos negócios de pré-mercado. Preocupadas com a estabilidade do banco, alguns fundos de capital de risco aconselharam as empresas em que investem a sacar dinheiro do SVB.

Outros bancos também foram afetados pela falência do SVB, incluindo o First Republic Bank, cujas ações caíram até 52%. O Fed (Federal Reserve) anunciou um programa de subsídios de emergência para garantir que os bancos possam atender às necessidades de seus depositantes. 

Por outro lado, o presidente dos EUA, Joseph Biden, afirmou que o governo não buscará um resgate financiado pelo dinheiro público e que as perdas não serão pagas pelos contribuintes. Ele assegurou ao público que o sistema bancário americano é seguro e que seus depósitos também estão protegidos. Biden também prometeu fazer o que for necessário para resguardar o sistema financeiro.

Signature Bank

Apenas dois dias após a falência do SVB, o Signature Bank, com sede em Nova York, foi fechado pelos reguladores, tornando-se a terceira maior falência bancária da história dos Estados Unidos (logo atrás do SVB).

Assim como o SVB, o Signature Bank tentou encontrar um comprador ou levantar fundos, mas não teve sucesso. No domingo, o Departamento do Tesouro anunciou proteções para depositantes no SVB e Signature Bank, garantindo aos depositantes que eles terão acesso aos seus fundos na segunda-feira. No entanto, os acionistas e detentores de dívidas não garantidas não são cobertos pelo plano.

Panorama até 15 de março de 2023

Apesar de muitos especialistas não acreditarem no escalonamento de proporções em relação ao que acontece nos Estados Unidos neste momento, alguns reflexos da questão já começam a ser observados em outras partes do globo.

Espelhando preocupações crescentes de que os problemas que promoveram a quebra de bancos americanos tenham migrado para o outro lado do mapa, as ações do Credit Suisse (banco suíço), por exemplo, caíram 24,24% na quarta-feira (15). Atingindo, assim, uma mínima histórica.

Outros grandes bancos europeus também foram impactados, com as ações dos dois maiores bancos internacionais da França, Société Générale e BNP Paribas, ambos caindo mais de 10%. As ações do alemão Deutsche Bank AG caíram 8%.

Tal comportamento, porém, é tido como típico por especialistas diante da situação.

Continuaremos acompanhando a situação e traremos desdobramentos em breve.

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