O que os acidentes com bens de consumo revelam sobre o Brasil e os Estados Unidos?

O que os acidentes com bens de consumo revelam sobre o Brasil e os Estados Unidos?

Acidentes com móveis e outros bens de consumo revelam padrões, práticas e prioridades de um país. Enquanto nos Estados Unidos existe um sistema estruturado para registrar, investigar e agir sobre esses casos, o Brasil ainda carece de dados, cultura de relato e regulamentações específicas para o setor. Nesta coluna, você vai entender como a forma de lidar com esses incidentes reflete o nível de maturidade das políticas públicas e o papel que a indústria moveleira pode (e deve) assumir para promover um mercado mais seguro e responsável

Imagine a seguinte situação: uma pessoa se senta para jantar, como faz todos os dias. Mas, dessa vez, ao apoiar o corpo, uma das pernas da cadeira se rompe: a perna quebra, o tombo vem, e a segurança desaparece. Ou, então, uma cômoda tomba quando você abre a gaveta. 

O que você faria? Nos Estados Unidos, o caminho é claro: acessar o site SaferProducts.gov e relatar o ocorrido. No Brasil, a resposta ainda é difusa. Muitos recorrem ao Reclame Aqui, redes sociais ou sequer formalizam a situação acreditando que relatar não servirá para nada.

Essa diferença de comportamento não é só cultural, ela tem um impacto direto na segurança dos produtos que circulam em nossas casas.

O que os acidentes com bens de consumo revelam sobre o Brasil e os Estados Unidos?

O que os números revelam

Em 2024, o CPSC (Consumer Product Safety Commission – Comissão de Segurança de Produtos de Consumo dos Estados Unidos) recebeu 4.349 relatos de incidentes com produtos de consumo, apenas por meio de sua base pública. Entre os itens mais mencionados estão móveis infantis, eletrodomésticos e equipamentos de lazer. 

Cada relato, mesmo os que não envolvem lesão, é usado para identificar padrões e antecipar riscos, ajudando a orientar recalls, atualizações normativas e fiscalização. Quando fazemos um recorte com a categoria “Mobiliário”, encontramos 402 relatos durante o ano de 2024. 

O contraste com o Brasil salta aos olhos. Aqui, o Sinmac (Sistema Inmetro de Monitoramento de Acidentes de Consumo) registrou apenas 36 relatos de acidentes de consumo em todo o País no mesmo período, a maioria envolvendo eletrodomésticos, brinquedos e eletrônicos. 

Entre os principais problemas relatados estavam choques elétricos, queimaduras, superaquecimento e risco de sufocamento. Nenhum caso relacionado a móveis foi registrado, o que levanta questionamentos sobre a subnotificação de incidentes no País. 

A ausência de notificações nesse segmento pode indicar tanto uma percepção de normalidade frente a pequenos acidentes quanto uma falta de conhecimento sobre a importância desse tipo de relato para políticas públicas e ações de prevenção. 

Na prática, o que acontece no Brasil é que grande parte das insatisfações ou problemas com produtos acaba indo parar no Reclame Aqui, um canal privado de reputação comercial, mas que não gera dados técnicos ou subsidia políticas públicas. 

Lá, é possível encontrar relatos de tombamentos de racks, camas desmontadas, beliches que desabaram junto com a criança, puxadores que cortam a mão e camas que levaram o usuário ao chão. Mas nada disso entra no radar do Inmetro ou de outros órgãos reguladores.

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O impacto de relatar os acidentes

Nos Estados Unidos, os relatos ajudam a construir uma base sólida de dados que alimenta políticas públicas, atualiza normas técnicas e, em casos graves, resulta em proibições e campanhas de recall. 

Um exemplo disso é a recente regulamentação da norma ASTM F2057-23 sob a lei STURDY.  O termo STURDY é um acrônimo de Stop Tip-Overs of Unstable, Risky Dressers on Youth, que significa “Pare os tombamentos de cômodas instáveis e perigosas sobre crianças”. Essa iniciativa tornou obrigatórios os testes de estabilidade para móveis como cômodas, após centenas de acidentes fatais com crianças.

Esse tipo de resposta rápida e articulada só é possível porque as informações chegam e são tratadas com seriedade.

No Brasil, ainda engatinhamos. Há poucos programas de certificação de móveis, muitos produtos sequer possuem normas técnicas estabelecidas aqui, e os poucos relatos que chegam ao Inmetro não refletem a realidade completa do que acontece nos lares brasileiros. 

O consumidor não sabe onde ou como relatar, e muitas empresas não estão preparadas para responder com agilidade a essas ocorrências.

O que os acidentes com bens de consumo revelam sobre o Brasil e os Estados Unidos?

Conclusão: relatar é um ato de cidadania

Relatar um acidente de consumo é mais do que buscar solução para um problema individual. É contribuir para a construção de um mercado mais seguro, mais transparente e mais responsável. O Brasil precisa avançar na coleta de dados e na conscientização da população sobre a importância desse processo.

Enquanto isso, empresas sérias já podem (e devem) se inspirar nas boas práticas internacionais. Criar canais próprios de relato, investigar incidentes, ajustar seus projetos e, sempre que possível, adotar normas técnicas como referência.

Afinal, cada relato conta uma história e pode evitar que outras terminem em tragédia.

Fontes:

CPSC: https://bit.ly/4k01LZX 
Sinmac: https://bit.ly/4k5SqzO

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Escreveu esse artigo

Sandra Fürst, que é engenheira de produção e CEO na SK Mentoria e Desenvolvimento.

Engenheira de produção e tecnóloga moveleira, é especialista em normatização, certificação e conformidade no setor moveleiro. Com experiência internacional, atuou em laboratórios nos Estados Unidos e na Europa, aprofundando seu conhecimento em testes de qualidade, segurança e desempenho de móveis.

Atualmente, coordena o Instituto Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Tecnologia em Madeira e Mobiliário em Santa Catarina, liderando iniciativas que promovem inovação, excelência e conformidade na indústria moveleira.

Apaixonada pelo desenvolvimento profissional, também atua como mentora em gestão de carreiras e negócios, ajudando profissionais e empreendedores a estruturarem estratégias, tomarem decisões assertivas e alcançarem crescimento sustentável em suas áreas de atuação.

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