A inovação no setor moveleiro não se resume a lançar produtos diferentes ou seguir tendências de design. Com o consumidor buscando experiências completas, a sustentabilidade entrando de vez na pauta e a tecnologia avançando, repensar o modelo de negócio não é uma opção. A servitização já está em curso e pode abrir caminho para quem quer liderar os próximos capítulos da indústria, com soluções mais inteligentes, conectadas e centradas nas reais necessidades do mercado
No dia 26 de junho participei de um evento organizado pelo Móveis Hub, uma iniciativa do Sima (Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas-PR) que visa estimular a inovação no setor moveleiro. Divido aqui com vocês um pouco do que foi a minha palestra.
E se o seu maior concorrente em 2030 não for outra fábrica de móveis, mas uma empresa de tecnologia que nunca produziu uma única cadeira? Esta pergunta, que pode parecer provocação, é na verdade o prefácio da maior transformação que o nosso setor já enfrentou.
Durante décadas, operamos sob uma lógica linear e previsível, um ciclo que começa na extração de matéria-prima, passa pela fabricação, culmina na venda e, na maioria das vezes, termina no esquecimento. Neste modelo, o relacionamento com o cliente é transacional e o valor, finito. Este modelo, que nos trouxe até aqui, não nos levará ao futuro.
Estamos no centro de uma tempestade perfeita, impulsionada por três forças inadiáveis que, juntas, estão a demolir os alicerces do nosso mercado.

Primeiro, um novo consumidor redefiniu a sua relação com os espaços. A pandemia consolidou o lar como o epicentro da vida, desfocando as fronteiras entre o viver, o trabalhar e o lazer. Esta mudança gerou uma procura sem precedentes por flexibilidade, ergonomia e multifuncionalidade, impactando diretamente os nossos clientes B2B.
Construtoras precisam entregar apartamentos prontos para o home office; empresas necessitam de escritórios híbridos que inspirem colaboração; hotéis buscam criar experiências, não apenas estadias. A exigência não é mais por um “produto”, mas por um “ambiente” que se adapte às necessidades fluidas do utilizador final.
Segundo, a sustentabilidade evoluiu de um discurso de responsabilidade social para um imperativo de negócio. O modelo de “produzir, vender e esquecer” é inerentemente insustentável e gera um passivo ambiental e de marca cada vez maior.
A economia circular, antes vista como um custo, revela-se agora uma estratégia de eficiência e diferenciação. Clientes corporativos, pressionados por métricas ESG (Ambiental, Social e Governança), já não compram apenas um produto; compram a garantia de um ciclo de vida responsável.
E, por fim, a tecnologia, o grande catalisador. A Internet das Coisas (IoT) e a Inteligência Artificial (IA) são a ponte que conecta o produto físico ao mundo digital, permitindo-nos repensar o que significa “possuir” um móvel.
Falamos de sensores que ajustam a ergonomia de uma cadeira em tempo real, de camas que monitorizam a qualidade do sono ou de sistemas que alertam para a necessidade de manutenção antes mesmo de uma avaria ocorrer.

A convergência destas forças nos leva a um novo paradigma: a servitização.
Em sua essência, a servitização é a transição estratégica de vender produtos para entregar resultados e experiências como um serviço contínuo. É a mudança de foco do ativo (o móvel) para o benefício que ele proporciona (conforto, produtividade, bem-estar, conveniência).
A analogia mais poderosa é a “Netflix dos Móveis”, um modelo de Furniture-as-a-Service (FaaS). Nele, o cliente paga uma assinatura mensal para ter acesso a uma solução completa: o design do ambiente, o mobiliário adequado, a logística de entrega e montagem, a manutenção preventiva, as atualizações tecnológicas e a gestão de fim de vida do produto.

Este modelo não é apenas uma nova forma de vender; é uma reinvenção completa da nossa cadeia de valor, onde cada elo precisa evoluir:
– O fornecedor de componentes deixa de ser um vendedor de matéria-prima comoditizada para se tornar um parceiro estratégico de inovação. A sua proposta de valor passa a ser a durabilidade dos seus materiais, a integração de sensores nos seus componentes e a rastreabilidade da sua origem, garantindo a circularidade de todo o sistema;
– A indústria moveleira transcende a manufatura para se tornar uma gestora do ciclo de vida dos seus ativos. A sua competência central expande-se para incluir a logística reversa, a capacidade de remanufatura em escala e, crucialmente, a análise de dados de utilização para desenvolver produtos cada vez mais inteligentes, duráveis e alinhados com as necessidades reais dos utilizadores;
– O varejista transforma o seu ponto de venda num ponto de serviço. O showroom torna-se um “experience center” onde os clientes não apenas veem produtos, mas testam soluções de ambientes. O vendedor evolui para um consultor de design que cura e gere assinaturas, construindo um relacionamento de longo prazo e uma receita recorrente.
Isto não é uma visão teórica. Já existem empresas no Brasil, como a Tuim, a explorar este modelo com sucesso, provando que o futuro já começou. A grande verdade é que a indústria líder do amanhã não será a que mais produz, mas a que gere o melhor e mais eficiente ecossistema de serviços.

Esta é uma jornada complexa que exige investimento em tecnologia, o domínio de novas competências logísticas e, acima de tudo, uma profunda mudança cultural. Contudo, estes desafios são também as barreiras de entrada que protegerão as empresas pioneiras.
A pergunta que cada líder do setor moveleiro deve fazer a si mesmo não é se esta transformação vai acontecer, mas como e com que rapidez a sua empresa pode começar a construir este futuro.
Para os líderes visionários que desejam não apenas entender, mas comandar esta transformação, preparamos um guia aprofundado. Nele, detalhamos o roteiro de implementação, os modelos financeiros e as estratégias para superar os desafios da servitização no Brasil.
A revolução silenciosa já está em andamento. A escolha é simples: assistir da arquibancada ou entrar em campo para definir as regras do jogo.

Escreveu esse artigo
Carlos Bessa, o idealizador e fundador da Plataforma Setor Moveleiro, é uma figura proeminente no cenário empresarial.
Com um MBA em Gestão Estratégica de Vendas, pós-graduação em Administração de Marketing e diversos cursos, incluindo Empreendedorismo e Marketing Estratégico, acumula mais de três décadas de experiência no campo do marketing, dedicando impressionantes mais de 30 anos exclusivamente ao setor moveleiro.
Não apenas um especialista em marketing, mas também uma voz respeitada internacionalmente, Carlos Bessa ocupou o cargo de secretário-geral da IAFP (International Alliance Furniture Press).
Além disso, recentemente, ampliou sua atuação ao se tornar consultor empresarial franqueado pela Consulting Now, trazendo ainda mais conhecimento e visão estratégica ao seu repertório.