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Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Se a estratégia define o rumo e o alinhamento garante coerência, é no chão de fábrica que o discurso estratégico se transforma em prática concreta

Prezadas e prezados,

Em nossas duas últimas colunas (Competitividade empresarial: estratégias para se destacar no mercado e Integração inteligente: como a estratégia empresarial se alinha à estratégia industrial?) abordamos, de maneira sucinta, a competitividade empresarial, algumas maneiras como as empresas podem se posicionar competitivamente no mercado e de que forma a empresa pode criar alinhamento estratégico através de ferramentas como o BSC.

Dessa forma, partindo do princípio de que a empresa já definiu a sua estratégia competitiva e criou o alinhamento estratégico através de missão, visão, valores, objetivos e metas (através do BSC, por exemplo), o próximo passo é desenvolver a estratégia industrial para criar um diferencial competitivo sustentável. 

Por isso, vamos abordar o tema estratégia industrial nessa coluna e começar a entender as suas principais características. Na sequência, citarei algumas abordagens de gestão estratégica da produção que são usadas como base para o desenvolvimento das estratégias industriais. 

Afinal, o que é uma estratégia industrial?

Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Estratégia industrial

A estratégia empresarial costuma ocupar o centro das discussões nas organizações — e com razão. É ela que define o rumo e o posicionamento da empresa diante da concorrência. No entanto, tão importante quanto definir onde competir e como competir, é garantir que as operações estejam preparadas para transformar essa visão em realidade. 

Assim, é aqui que entra a estratégia industrial – uma área muitas vezes negligenciada, mas essencial para a construção de vantagens competitivas sustentáveis, onde a produção é o elo final entre a promessa e a entrega ao cliente.

Qual é o diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica?

De apoio à protagonista: a evolução da produção na estratégia

O conceito de estratégia industrial é relativamente recente (se comparado a outros conceitos de estratégia) e pode-se considerar que seu início formal foi em 1969, quando Wickham Skinner escreveu um artigo na Harvard Business Review intitulado Manufacturing – The Missing Link in Corporate Strategy (Manufatura – o elo perdido na estratégia corporativa – tradução livre). 

Dessa forma, nesse artigo, Skinner denuncia um erro recorrente dentro das empresas: o tratamento da produção como área subordinada, voltada apenas à eficiência operacional. Skinner, já em 1969, considerava que a manufatura precisava ser parte ativa da formulação estratégica, sob risco de gerar inconsistências entre o discurso empresarial e a prática industrial.

A partir desse artigo de Skinner, muitos autores voltaram a atenção para o desenvolvimento da Estratégia Industrial e começaram a desenvolver pesquisas sobre esse tema. Entre esses, Hayes e Wheelwright, em 1984, escreveram um livro que consolidou as ideias que os autores vinham desenvolvendo em artigos desde o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com destaque para a tese de que a manufatura poderia evoluir de um papel meramente reativo e de suporte para um papel de liderança estratégica. 

Assim, nesse livro, eles formalizaram essa crítica ao descrever os quatro estágios de contribuição da manufatura. Abaixo serão detalhados os quatro estágios e, dessa vez, vou tentar citar exemplos genéricos no setor moveleiro.

Estágio 1 – Internamente neutro: “evitar problemas”

Visão da produção: uma função reativa, vista como um centro de custos.

Foco: evitar erros e manter a operação funcionando.

Características:

  • Baixo investimento em tecnologia ou pessoas;
  • Produção gerida com foco em controle e rotina;
  • Metas operacionais limitadas a eficiência e custo mínimo;
  • Práticas ultrapassadas ou desatualizadas.

No setor moveleiro: fábricas que apenas cumprem ordens, com processos engessados, baixa qualidade, pouca visibilidade estratégica e decisões centralizadas no financeiro.

Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Estágio 2 – Externamente neutro: “imitar os concorrentes”

Visão da produção: produção como função de suporte, que tenta se manter competitiva.

Foco: atingir o padrão da indústria.

Características:

  • Adoção de práticas consagradas (best practices), mas sem inovação;
  • Busca por eficiência, confiabilidade e previsibilidade;
  • KPIs básicos (eficiência, retrabalho e taxa de entrega);
  • Produção ainda distante das decisões estratégicas.

No setor moveleiro: indústrias que adotam práticas como ERP, CNC ou células de produção por pressão competitiva, mas sem um projeto estratégico claro por trás.

Estágio 3 – Apoio à estratégia: “produção alinhada à estratégia”

Visão da produção: a manufatura apoia ativamente a estratégia empresarial e a estratégia competitiva.

Foco: alinhar recursos e capacidades produtivas à proposta de valor.

Características:

  • Decisões operacionais baseadas na estratégia da empresa;
  • Layout, tecnologia, automação e capacitação orientados ao diferencial competitivo (exemplos: agilidade, qualidade e customização);
  • Produção participa do planejamento estratégico;
  • Foco em trade-offs conscientes (exemplo: flexibilidade vs. eficiência). Ou seja, trade-off é a necessidade de escolher entre duas ou mais prioridades conflitantes.

No setor moveleiro: uma empresa que aposta em customização como diferencial terá fábricas flexíveis, com sistemas puxados, lead times curtos, e equipes multifuncionais.

Estágio 4 – Liderança estratégica: “produção cria vantagem competitiva”

Visão da produção: a produção não apenas executa, mas molda a estratégia.

Foco: inovar, antecipar o mercado e definir a posição competitiva.

Características:

  • A manufatura impulsiona inovações em produtos, processos e modelos de negócios;
  • Forte integração com marketing, P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e logística;
  • Uso estratégico de dados, tecnologias emergentes, como automação inteligente, manufatura aditiva e digital twins. Conceitos da Indústria 4.0;
  • Fábrica como laboratório de inovação e aprendizagem organizacional.

No setor moveleiro: indústrias que lideram tendências com produção sob demanda, manufatura digital, integração com plataformas online (mass customization) e sustentabilidade como parte do DNA produtivo.

Qual é o diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica?

Critérios de desempenho em decisões estruturais e infraestruturais: do mercado ao chão de fábrica

Terry Hill propõe que a função produção deve ser configurada a partir das demandas estratégicas do mercado, ou seja, daquilo que a empresa precisa entregar aos clientes para ser competitiva. Isso significa que a estrutura e a produção devem refletir as prioridades estratégicas empresariais.

Por isso, Hill organiza sua abordagem em duas partes principais:

1. Critérios de Desempenho Competitivos (ou Prioridades Competitivas)

São os atributos do produto ou serviço valorizados pelos clientes e que definem o sucesso no mercado. São cinco os principais:

CritérioDescrição
CustoProduzir com baixo custo total
QualidadeFazer certo desde a primeira vez, com durabilidade e acabamento
Prazo / EntregaEntregar no prazo prometido, com confiabilidade
FlexibilidadeCapacidade de mudar o mix de produtos, personalizar ou alterar volumes
InovaçãoIntroduzir novos produtos ou processos rapidamente

Segundo Hill, a empresa deve identificar quais desses critérios são:

  • Qualificadores (order qualifiers): são os critérios básicos que o mercado exige. Ou seja, são as condições mínimas para que a empresa seja considerada pelo cliente como uma opção viável. “Se você não atender aos qualificadores, está fora da competição – nem entra no radar do cliente”;
  • Ganhadores de pedidos (order winners): são os critérios que efetivamente influenciam a decisão de compra do cliente. Ou seja, “é o que diferencia sua empresa da concorrência e faz o cliente escolher você”.
Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

2. Decisões Estruturais e Infraestruturais da Produção

Uma vez definidos os critérios competitivos, a produção precisa ser configurada estrategicamente para sustentá-los, o que envolve duas categorias de decisões:

2.1. Decisões Estruturais

De maneira geral, são mais difíceis de mudar e envolvem investimentos físicos e estratégicos.

ElementoDescriçãoExemplos
CapacidadeTamanho e escalabilidade da operaçãoFábrica com capacidade para variar volume conforme demanda
Instalações e layoutLocalização, disposição física da plantaCélulas flexíveis vs. linhas contínuas
TecnologiaEquipamentos, sistemas, automaçãoMáquinas CNC, sistemas de corte automatizado, ERP
Integração verticalGrau de controle sobre a cadeiaProdução própria de partes ou terceirização

2.2. Decisões Infraestruturais

Nesse caso, são mais fáceis de alterar e dizem respeito ao modo como a produção é gerenciada.

ElementoDescriçãoExemplos
Sistema de controleMonitoramento de desempenho, indicadoresOEE, lead time, índice de retrabalho
Gestão da qualidadeComo a qualidade é asseguradaISO, controle estatístico de processos, TQM
Gestão de estoquesPolíticas de reposição, JIT ou MRPEstoque mínimo, kanban, reposição programada
Capacitação e gestão de pessoasTreinamento, polivalência, engajamentoEquipes multifuncionais, operadores líderes
Organização da produçãoPlanejamento, programação e execuçãoSistema puxado vs. empurrado, MTO (make to order) ou MTS (make to stock)
Qual é o diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica?

A conexão estratégica: do mercado ao chão de fábrica

O grande mérito do modelo de Hill é mostrar que a estratégia de produção não começa na fábrica, mas no mercado. A sequência lógica é:

  1. Definir a proposta de valor da empresa (com base nos critérios competitivos);
  2. Traduzir essa proposta em critérios operacionais claros;
  3. Projetar a estrutura e os sistemas produtivos para entregar esses critérios de forma superior à concorrência.
Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Do discurso à prática: como a produção cria valor competitivo

A verdadeira transformação estratégica acontece quando o chão-de-fábrica deixa de ser um ambiente técnico e passa a ser um território estratégico. Isso requer:

  • Integração entre áreas: marketing, design, produção e logística devem atuar em sintonia para responder com agilidade e coerência ao mercado.
  • Infraestrutura produtiva compatível com a proposta de valor: layouts modulares, sistemas puxados, células flexíveis e automação seletiva podem ser diferenciais, dependendo da estratégia.
  • Cultura de excelência operacional: com base em práticas Lean, melhoria contínua, qualidade total e gestão visual, é possível gerar consistência e inovação mesmo em ambientes altamente competitivos.
  • Indicadores alinhados à estratégia: o uso de KPIs como lead time, taxa de entrega no prazo, índice de retrabalho e tempo de setup ajuda a alinhar o cotidiano da produção com os objetivos da empresa.
Qual é o diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica?

A fábrica como vantagem competitiva sustentável

A produção não é apenas execução: ela é parte central do posicionamento da empresa. Em um mundo onde produtos são cada vez mais parecidos e os mercados, cada vez mais voláteis, é a forma como se produz – com inteligência, agilidade, consistência e propósito – que pode definir a liderança de mercado.

Portanto, transformar o chão-de-fábrica em um território estratégico é o próximo passo para uma indústria mais competitiva, inovadora e sustentável.

Nesse texto abordamos o início da estratégia industrial. A partir dos próximos textos, aprofundaremos o COMO a estratégia de produção é desenvolvida, começando pela apresentação de um modelo (complexo) para o seu desenvolvimento.

Até a próxima!

Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica

Escreveu essa coluna

André Gazoli, que possui uma sólida formação acadêmica, destacando-se pela graduação em Engenharia de Produção (2008), mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas (2012, com ênfase em Mass Customization na indústria de automóveis) e doutorado em Engenharia de Produção e Sistemas (2019, com ênfase em Lean Manufacturing na indústria moveleira), todos pela renomada instituição PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). 

Atualmente desempenha papel fundamental como professor adjunto na prestigiosa UFPR (Universidade Federal do Paraná), no Campus Jandaia do Sul, onde contribui ativamente para o desenvolvimento e aprimoramento do ensino e pesquisa na área de Engenharia de Produção. 

Sua experiência abrange uma vasta gama de conhecimentos, com foco específico em áreas como Produção Enxuta, Mass Customization, Simulação de Eventos Discretos, Planejamento e Controle da Produção e Gestão de Operações. 

Destaca-se por sua atuação em projetos relevantes no LEPEP (Laboratórios de Extensão e Pesquisa em Engenharia de Produção), sendo reconhecido por sua contribuição significativa para a evolução e aplicação prática de conceitos inovadores nesse campo.

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