Brasil em conformidade: estamos prontos para atender o mundo?

Brasil em conformidade: estamos prontos para atender o mundo?

O aumento das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos trouxe à tona uma discussão que há tempos ronda os corredores da indústria moveleira: a necessidade de diversificar os destinos de exportação. Com o mercado europeu no radar, cresce o debate sobre a capacidade do setor em atender às exigências de segurança, qualidade e sustentabilidade impostas por normas. Nesta coluna, você vai entender como a conformidade técnica se tornou um requisito mínimo e o que falta para que o Brasil, de fato, se posicione como fornecedor confiável no cenário global

Diante das recentes tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos impulsionadas por medidas protecionistas e pelo temido “tarifaço”, cresce o alerta para uma necessidade que já vinha sendo discutida nos bastidores da indústria moveleira: diversificar mercados. 

A busca por novos destinos para nossas exportações ganhou força nesse cenário, e o mercado europeu desponta como uma opção estratégica, e, ao mesmo tempo, desafiadora. Porém, aí vem a pergunta: estamos prontos para atender o mundo?

O bom produto já não basta

Para exportar móveis para a Europa, não é suficiente ter apenas um bom produto e um bom design

É preciso provar que esse produto atende a critérios rigorosos de segurança, desempenho, sustentabilidade e rastreabilidade. Isso significa testes de acordo com normas técnicas, certificações e controle técnico desde o projeto até a entrega.

Na prática, significa que estar em conformidade com normas internacionais deixa de ser um diferencial e passa a ser requisito mínimo de entrada.

Em conformidade: estamos prontos para atender o mundo?

O Brasil está pronto para atender às normas europeias?

Nos últimos anos, o Brasil tem dado passos importantes rumo à consolidação de uma indústria moveleira mais técnica, segura e alinhada às exigências internacionais. 

Com a atuação de laboratórios acreditados, como os Institutos Senai de Tecnologia, as empresas brasileiras passaram a contar com suporte técnico para atender aos rigorosos requisitos normativos aplicados nos mercados mais exigentes do mundo.

Hoje, graças ao acordo de reconhecimento mútuo entre a CGCRE (Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro) e a Ilac (International Laboratory Accreditation Cooperation), os ensaios realizados por laboratórios acreditados no Brasil possuem validade internacional, incluindo reconhecimento nos países da União Europeia. 

Em linhas gerais, isso significa que fabricantes nacionais podem testar seus produtos conforme normas europeias, sem precisar exportar amostras ou arcar com custos adicionais no exterior.

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Como as normas europeias elevam o padrão de segurança?

Atender às exigências do mercado internacional não é apenas uma questão de burocracia ou documentação. É, antes de tudo, uma questão de responsabilidade. 

E é nesse ponto que entram as normas técnicas. Elas não apenas estabelecem requisitos mínimos: traduzem, de forma objetiva, os cuidados que um produto precisa ter para ser seguro, durável e adequado ao uso previsto.

No setor moveleiro, algumas normas europeias se destacam por sua relevância prática. A EN 1725:2023, por exemplo, estabelece critérios de segurança, resistência e durabilidade para camas, simulando cargas estáticas e esforços que ocorrem durante o uso diário. 

Já a EN 747-1:2024 trata de beliches e camas altas, com foco especial na prevenção de tombamentos e quedas, riscos particularmente relevantes quando se trata do público infantil.

As mesas, por sua vez, são ensaiadas conforme a EN 1730:2012, norma que avalia a estabilidade da estrutura e a resistência a impactos e cargas aplicadas nas superfícies. Isso garante, por exemplo, que uma mesa não tombe ao ser apoiada em uma das extremidades ou que sua superfície não ceda com o peso de objetos usuais. 

No caso das cadeiras e poltronas, os testes seguem a EN 1728:2012, que simula dezenas de milhares de ciclos de uso, avaliando desde o esforço nas juntas até a resistência do assento e encosto ao longo do tempo.

O objetivo de todos esses ensaios é um só: reproduzir, em laboratório, as situações reais de uso e até os abusos que o móvel pode sofrer, visando garantir que ele esteja pronto para o mercado.

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Europa: um mercado exigente

O mercado europeu valoriza não apenas a estética e a funcionalidade, mas também a responsabilidade socioambiental. O cumprimento de normas é um passaporte para entrar nesse universo. 

É por isso que se fala tanto em “green claims”, ou seja, as declarações verdes, rastreabilidade de madeira, além dos inúmeros requisitos de segurança, tanto em produtos para uso infantil quanto em produtos destinados ao uso por adultos.

A boa notícia é que temos competência técnica no Brasil para atender a essas exigências. O desafio, agora, é ampliar o número de empresas que se preparam de forma estruturada para isso. E isso passa por informação, planejamento e apoio técnico especializado.

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Oportunidade disfarçada de crise

O tarifaço pode ser um obstáculo nas relações com os EUA, mas também pode ser uma oportunidade, pois escancara a importância de não depender de um só destino de exportação e de investir em posicionamento técnico e normativo como estratégia de internacionalização.

É hora de olhar para dentro, fortalecer nossos processos e alinhar nossos produtos aos padrões globais. Porque, se há algo que o mercado internacional exige e valoriza é segurança, conformidade e responsabilidade.

E os dados já mostram que esse caminho está sendo trilhado. Prova disso é o desempenho recente das exportações de móveis de madeira de Santa Catarina para países europeus. 

Entre janeiro e maio de 2025, destinos como Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Países Baixos e Dinamarca juntos representaram mais de US$ 32 milhões em exportações, com destaque para o crescimento expressivo em mercados como Reino Unido (+11,3%), França (+19,4%) e Espanha (+41,9%), segundo dados do Observatório Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina)

Os números mostram que, quando há preparo técnico e aderência às normas, o Brasil conquista espaço, mesmo nos mercados mais exigentes.

Agora, a pergunta volta para nós: estamos prontos para mostrar ao mundo do que somos capazes?

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Escreveu esse artigo

Sandra Fürst, que é engenheira de produção e CEO na SK Mentoria e Desenvolvimento.

Engenheira de produção e tecnóloga moveleira, é especialista em normatização, certificação e conformidade no setor moveleiro. Com experiência internacional, atuou em laboratórios nos Estados Unidos e na Europa, aprofundando seu conhecimento em testes de qualidade, segurança e desempenho de móveis.

Atualmente, coordena o Instituto Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Tecnologia em Madeira e Mobiliário em Santa Catarina, liderando iniciativas que promovem inovação, excelência e conformidade na indústria moveleira.

Apaixonada pelo desenvolvimento profissional, também atua como mentora em gestão de carreiras e negócios, ajudando profissionais e empreendedores a estruturarem estratégias, tomarem decisões assertivas e alcançarem crescimento sustentável em suas áreas de atuação.

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