A transformação dos modelos de produção e consumo na indústria moveleira está, atualmente, no centro de uma discussão urgente: como alinhar design, sustentabilidade e competitividade? A resposta, cada vez mais evidente, está na Economia Circular — conceito que propõe romper com o modelo linear tradicional de extrair, produzir e descartar. Para isso, adota-se estratégias que prolongam o ciclo de vida dos produtos, reduzem desperdícios e promovem o reaproveitamento de recursos. No setor moveleiro, essa visão já ganha contornos concretos, sobretudo em modelos baseados em design para desmontagem, remanufatura, leasing de móveis e logística reversa.
A aplicação desses modelos, no entanto, esbarra em desafios culturais, logísticos e econômicos, exigindo uma mudança estrutural em toda a cadeia produtiva. Ainda assim, é inegável que iniciativas circulares estão ganhando força e consolidando-se como tendência global. A economia circular não é apenas uma exigência ambiental: é uma oportunidade estratégica para agregar valor, conquistar novos mercados e atender às crescentes exigências de consumidores e legislações.
Ao longo desta matéria, você vai entender os fundamentos da economia circular aplicada ao mobiliário, conhecer os benefícios e entraves práticos, conferir exemplos reais e descobrir. Ainda mais:
- O que é economia circular e como ela se aplica ao setor moveleiro?
- Como o design para desmontagem colabora para a circularidade?
- Quais os desafios dos modelos de leasing e remanufatura no Brasil atualmente?
- Afinal, como viabilizar a logística reversa no setor?
- Quais empresas estão liderando iniciativas circulares e o que podemos aprender com elas?
Design para desmontagem: soluções sustentáveis que preservam a funcionalidade
No coração da economia circular está o design. Pensar produtos desde sua origem para que sejam desmontáveis, reparáveis e recicláveis é uma das estratégias mais eficazes para ampliar sua vida útil e reduzir impactos ambientais. “Um projeto pensado em desmontabilidade é interessante pela possibilidade de trocar peças avariadas, facilitar a logística reversa e diminuir custos”, explica Katalin Stammer, diretora da Escola Curitibana de Design. Ela destaca que um bom design não precisa comprometer a estética nem encarecer o produto, desde que seja bem planejado desde o início.
Henrique Estrada, gerente da Móveis Estrela, reforça essa visão ao afirmar que o design para desmontagem permite soluções mais práticas, acessíveis e sustentáveis. Ele destaca que essa abordagem reduz custos logísticos, facilita o armazenamento e pode até otimizar etapas produtivas. Juliana Weiss, fundadora da Cose Design e Treinamento, acrescenta que o Design for Disassembly, como é conhecido internacionalmente, é uma técnica que considera a desmontagem no fim do ciclo de uso. Segundo ela, projetar com essa intencionalidade garante a reutilização dos materiais e contribui ativamente para a preservação dos recursos naturais. Ela ressalta ainda que, longe de comprometer a funcionalidade, esse tipo de design pode, inclusive, potencializar futuras aplicações do produto.
Modelos de leasing e remanufatura: o futuro do uso compartilhado com a Economia Circular
No Brasil, os modelos de leasing e remanufatura de móveis ainda enfrentam resistências. A questão não é apenas cultural, mas também estrutural. “O custo para certos processos de remanufatura ainda é elevado, o que dificulta a competitividade”, avalia Katalin. Ela aponta que é preciso organizar as empresas para gerar volume e diluir custos, criando escala para justificar os investimentos.
Sandra Fürst, coordenadora do Instituto SENAI de Tecnologia em Madeira e Mobiliário de Santa Catarina, destaca que projetar móveis que possam ser facilmente montados, desmontados e reaproveitados dá mais liberdade ao consumidor e reduz significativamente o desperdício no setor moveleiro.

Logística reversa: um desafio que exige colaboração setorial
A logística reversa é essencial para a circularidade. Mas, no Brasil, ainda há grandes desafios. De fato, as dimensões territoriais, os altos custos e a ausência de infraestrutura adequada dificultam a devolução, triagem e reaproveitamento de produtos. Para Katalin, por exemplo, a solução está em criar centros logísticos regionais, nos moldes dos atuais centros de distribuição, para reduzir distâncias e impactos. “A logística reversa não pode gerar mais carbono do que resolve. Precisa ser planejada com eficiência”, alerta.
Henrique destaca que, nesse cenário, produtos modulares e desmontáveis facilitam a reversa. Além disso, com embalagens otimizadas e transporte eficiente, seria possível estruturar hubs regionais de triagem e remanufatura. Juliana Weiss complementa que, apesar disso, não há fórmulas prontas e que o sucesso da logística reversa depende da atuação conjunta entre empresas, associações, universidades e órgãos públicos. Para ela, apenas com trabalho em equipe e mudança de mindset será possível, de maneira efetiva, criar modelos sustentáveis e percebidos como valiosos pela sociedade. Henrique destaca que, nesse cenário, produtos modulares e desmontáveis facilitam a reversa. Além disso, com embalagens otimizadas e transporte eficiente, seria possível estruturar hubs regionais de triagem e remanufatura. Juliana Weiss complementa que, apesar disso, não há fórmulas prontas e que o sucesso da logística reversa depende da atuação conjunta entre empresas, associações, universidades e órgãos públicos. Para ela, apenas com trabalho em equipe e mudança de mindset será possível, de maneira efetiva, criar modelos sustentáveis e percebidos como valiosos pela sociedade.

Arranjos locais como estratégia para viabilizar a logística reversa
Sandra reforça que arranjos locais e redes compartilhadas entre empresas de um mesmo polo moveleiro podem concentrar volumes e reduzir custos, tornando a operação reversa mais eficaz e acessível. A pesquisa “Resíduos Sólidos e Logística Reversa” do CNI (2023) destaca que apenas 12% das indústrias implementaram sistemas completos de logística reversa. O dado mostra a urgência do tema.

Casos práticos e aprendizados globais: inspiração para o setor brasileiro
No cenário nacional, ainda são raros os exemplos de empresas com aplicação madura da economia circular. “Todas estão tentando, em maior ou menor grau. É um movimento inicial que precisa ganhar volume”, diz Katalin. Por isso, a valorização de atributos sustentáveis na comunicação com o consumidor pode ajudar nesse processo, tornando, assim, o diferencial ambiental um argumento de venda.
Lá fora, a economia circular avança. A empresa norte-americana Feather se destaca com seu modelo de aluguel por assinatura, voltado a consumidores urbanos e nômades digitais. Seus móveis são recolhidos, restaurados e reinseridos no mercado com eficiência. Na Suécia, a IKEA aposta em programas de recompra e revenda de produtos usados, em linha com sua meta de circularidade total até 2030. A britânica Fractory atua na manutenção sob demanda, imprimindo peças personalizadas para prolongar a vida de estruturas existentes. Esses exemplos mostram que é possível adaptar o modelo, desde que haja tecnologia, planejamento e engajamento dos consumidores.

Adaptação e futuro da Economia Circular: o que o setor moveleiro pode fazer agora
A transição para a economia circular exige, antes de tudo, mudanças profundas no modelo de negócio. Ela começa pelo design, avança pela produção e se estende até a logística e à relação com o consumidor. Por isso, é preciso investir em formação, pesquisa e parcerias estratégicas para inovar em materiais, processos e modelos de uso. Ainda que pequenas, ações como o uso de componentes padronizados e recicláveis já fazem diferença significativa.
Além disso, a adoção de indicadores ESG e o alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU também podem impulsionar a circularidade de forma consistente. “Mesmo que em pequena escala, todas as empresas podem contribuir com soluções inovadoras. Isso será cada vez mais valorizado”, conclui Katalin. Dessa forma, a economia circular deixa de ser apenas uma alternativa: ela se consolida como um caminho inevitável rumo a um setor mais eficiente, responsável e preparado para o futuro.
