O desenvolvimento de uma estratégia de produção passa por etapas que vão da definição do conceito à organização dos processos e prazos. Nesta coluna, você será apresentado um panorama sobre como estruturar esse percurso de maneira aplicada, conectando teoria e prática. Boa leitura!
Prezadas e prezados,
Em últimas colunas (Competitividade empresarial: estratégias para se destacar no mercado, e Integração inteligente: como a estratégia empresarial se alinha à estratégia industrial? e Estratégia industrial: diferencial competitivo que nasce no chão de fábrica) percorremos um caminho fundamental para quem busca fortalecer a competitividade da sua empresa: começamos entendendo o conceito de competitividade empresarial, depois avançamos para a diferenciação entre estratégia empresarial e estratégia industrial, e por fim, exploramos como a estratégia industrial pode ser um poderoso gerador de diferenciais competitivos.
Agora, é hora de aprofundarmos o entendimento sobre a Estratégia de Produção tema e falarmos sobre um tema essencial: Como as empresas podem estruturar sua estratégia de produção, ou seja, como transformar intenções estratégicas em ações concretas no chão de fábrica.
Existem alguns autores importantes que definem maneiras de se elaborar a estratégia de produção, mas, pessoalmente, eu gosto da abordagem apresentada por Henrique L. Corrêa e Carlos A. Corrêa no livro Administração de Produção e Operações. Esses autores propõem um modelo bastante didático para entender e desenvolver a estratégia de produção. Esse modelo parte da premissa de que a produção precisa ser alinhada à estratégia empresarial, servindo como uma ponte entre as aspirações competitivas e as rotinas operacionais.
Na última coluna, abordamos diversos conceitos que serão utilizados aqui e, para isso, farei um breve resgate. Os principais conceitos são critérios competitivos de desempenho (ou prioridades competitivas), trade-offs, critérios qualificadores e critérios ganhadores de pedidos.
Relembrando alguns pontos:
- Os critérios competitivos de desempenho tradicionalmente são: (1) preço/custo, (2) qualidade, (3) prazo/entrega, (4) flexibilidade, (5) confiabilidade e (6) inovação;
- Trade-offs são renúncias de desempenho escolhidas, ou seja, são escolhas estratégicas que implicam em renúncias estratégicas. Renuncia-se ao desempenho superior em um aspecto para privilegiar o desempenho em outro aspecto.
- Qualificadores (order qualifiers): são os critérios básicos que o mercado exige;
- Ganhadores de pedidos (order winners): são os critérios que efetivamente influenciam a decisão de compra do cliente.
Diante desses esclarecimentos, vamos ao tema dessa coluna. O objetivo aqui é apresentar um caminho para o desenvolvimento de uma Gestão Estratégica de Produção. A partir disso, é possível “criar um padrão de decisões coerente com a direção estratégica que se pretende para a organização”. Isso implica que o tomador de decisão deveria sempre, em suas decisões, levar em conta alguns elementos estratégicos como os clientes e a concorrência. Só da consideração conjunta desses elementos é que uma decisão adequada poderá ser tomada” (Corrêa & Corrêa, 2022). A figura 1 abaixo ilustra essa ideia.

Com base nesse modelo, Corrêa & Corrêa (2022) exploram a abordagem desenvolvida por Terry Hill dos critérios de desempenho e definem (Figura 2):
- Critérios qualificadores: são os critérios de desempenho pelos quais a empresa deve atingir um nível mínimo de desempenho que vai qualificá-la a competir por determinado mercado;
- Critérios ganhadores de pedidos: são critérios de desempenho pelos quais o cliente decide qual vai ser seu fornecedor, dentre os qualificados;
- Critérios menos importantes: são critérios que não influenciam muito a decisão de compra do cliente.

A partir desses critérios, Slack (1993) sugere uma escala de 9 pontos para facilitar a análise e a classificação de cada critério competitivo a partir do ponto de vista do cliente. O Quadro 1, abaixo, especifica os 9 pontos.

Slack (1993) também apresenta 9 pontos de Benckmarking competitivo, em que é possível definir uma escala de comparação com o desempenho da concorrência. O Quadro apresenta essa escala.

A partir das definições da escala de 9 pontos de importância (para clientes) e da escala 9 pontos de desempenho (em relação aos concorrentes), elaboram-se os planos de ação de melhoria a partir de uma Matriz Importância × Desempenho. Essa matriz de dupla entrada envolve duas dimensões: uma delas refere-se à importância relativa dada pelos clientes aos critérios de desempenho, utilizando a escala de 9 pontos dos clientes; a outra envolve uma classificação, também com uma escala de 9 pontos, do desempenho de cada objetivo comparado aos níveis de desempenho atingidos pelos concorrentes. A Figura 3 apresenta um exemplo de Matriz Importância × Desempenho.

Explicando essa matriz, Corrêa & Corrêa (2022) destacam que o quadro no extremo superior direito da Figura 3 simboliza a análise de uma Unidade de Operações (UO) ou Unidade de Negócio. Essa unidade produz um conjunto de “Famílias de Produtos” (FP), representadas pelas linhas do quadro. Esse conjunto de famílias de produtos atende a um conjunto de Segmentos de Mercado (SM), representados pelas colunas do quadro. O cruzamento de famílias de produtos com segmentos de mercado define unidades de análise que merecem, cada uma delas, uma Matriz Importância × Desempenho.
No eixo horizontal da matriz encontram-se as várias modalidades possíveis de importância (ganhadores de pedidos, qualificadores, menos importantes e oportunidades) dadas pelo segmento de mercado analisado, para os vários critérios competitivos, enquanto no eixo vertical da matriz encontram-se os vários graus de desempenho da operação, em relação aos vários critérios, comparativamente aos mais fortes concorrentes (“melhor que”, “igual a” e “pior que”).
Importante enfatizar:
- Para a Matriz Importância × Desempenho ilustrada, cada ponto representado por um pequeno círculo preto com um número dentro representa um critério de desempenho. Será considerado que esse critério de desempenho tem certo nível de importância para o segmento analisado e, simultaneamente, certo grau de desempenho comparado à concorrência. Isso define uma posição particular na Matriz Importância × Desempenho;
- Conforme a posição ocupada pelo ponto que representa um critério de desempenho, esse critério merecerá certo nível de prioridade nas ações de operações.
Analisemos as várias possibilidades ilustradas na Figura 3, descrevendo as várias regiões da matriz. Essa parte explicativa da matriz é extraída do livro Administração de produção e operações de Corrêa & Corrêa (2022).

Regiões de matriz prioridades competitivas em produção e operações
- Região “vantagem competitiva (manutenção)”: simultaneamente, o critério é considerado “ganhador de pedidos” e o desempenho operacional da unidade analisada é “melhor que” a melhor concorrência – critérios de desempenho nesta região (por exemplo, o ponto ⑤) representam as fontes de vantagem competitiva atuais da operação. A preocupação aqui é com a manutenção dessa posição.
- Região “urgência”: simultaneamente, o critério é considerado “ganhador de pedidos” e o desempenho é “pior que” a concorrência – a esta região (ponto ⑨, por exemplo), devem ser direcionados esforços com prioridade alta. Trajetória B recomendável.
- Região “urgência máxima”: nesta região (ponto ⑧), o critério considerado é o do mercado visado como qualificador e, simultaneamente, o desempenho comparado à concorrência é considerado pior, o que significa que a operação não está qualificada para concorrer em relação a esse critério. A trajetória A é recomendada neste caso, com urgência máxima.
- Região “excesso (urgente?)”: pontos nesta região (por exemplo, o ponto ③) significam que a operação apresenta desempenho superior ao da concorrência em critérios considerados pelos mercados visados como menos importantes. Aqui, cabem três possíveis cursos de ação:
- Trajetória J: se é possível realocar esses recursos, pode-se optar por reduzir deliberadamente o nível de desempenho neste critério para, com os recursos liberados, colaborar com investimentos nas melhorias representadas pelas trajetórias A e B, mais urgentes.
- Trajetória M: trata-se de migração no sentido horizontal; por exemplo, iniciativas de marketing e comunicação podem fazer com que algo que o cliente não reconhece como importante passe a ser um qualificador, podendo, entre outras consequências, afastar concorrentes importantes.
- Trajetória K: possível quando as outras duas trajetórias não são consideradas adequadas: olhar para alternativas na matriz produtos × mercados para identificar outro segmento de mercado, hoje não explorado, que valorize esse critério de desempenho. Isso significa trilhar a trajetória N ou a O para melhor conseguir capitalizar algo que a operação faça bem.
- Região “excesso (útil?)”: como o ponto ④, por exemplo. Nesse caso, duas trajetórias alternativas são normalmente disponíveis: D ou L. D significa persuadir os clientes e, com isso, capitalizar melhor uma superioridade em relação à melhor concorrência. Outro possível curso de ação é reduzir o nível de desempenho operacional para uma região mais adequada e, assim, liberar recursos para melhor uso. Regiões “Melhorar 1” e “Melhorar 2”: quanto à região Melhorar 1, o cliente considera o critério ⑦, por exemplo, menos importante e, ao mesmo tempo, o desempenho da operação é pior que o da concorrência. Nesse caso, a melhoria deve ser providenciada, mas sem a prioridade das regiões de urgência; a prioridade também não é tão grande quanto aquela a ser dada a um critério na região Melhorar 2 (como o ponto ⑥, por exemplo). Em outras palavras, ambas as trajetórias, C e I, são necessárias, mas, entre estas, a prioridade claramente deve ser dada para a trajetória C.
- Regiões “Adequado 1” e “Adequado 2”: posições são consideradas adequadas. Novamente, deve existir preocupação quanto à manutenção.
- Região “Oportunidades atuais”: neste caso (ponto ①, por exemplo), uma característica de desempenho identificada como uma competência importante da operação (e cujo desempenho supera já hoje o da concorrência) não está sendo sequer cogitada pelos mercados visados. Dois cursos de ação possível são:
- Trajetória E: procurar, via sensibilização, comunicação e persuasão, convencer o mercado visado de que aquela característica pode ser um qualificador e, quem sabe, até um ganhador de pedidos.
- Trajetória G: a exemplo do ponto ③, caso esta característica ligada a uma competência não esteja sendo hoje valorizada por esse par produto-mercado, investigar se não há outro par que valorizaria essa característica de desempenho.
- Região “Oportunidades futuras”: caso, por exemplo, do ponto ②. Um curso de ação possível seria, caso isso fosse considerado uma característica com potencial de tornar-se importante no futuro, investir na melhoria do desempenho para que no futuro o desempenho pudesse ser como o do ponto ① e, então, disparar os esforços característicos de pontos que se encontrem na região “Oportunidades atuais”.
Com base nessa abordagem complexa, elaboram-se planos de ação para reestruturar a estratégia de produção (e empresarial) para criar uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes. Além disso, a matriz permite priorizar o ataque ao aprimoramento do desempenho dos critérios competitivos, em termos de curto, médio e longo prazos.
Mais do que um tema técnico, a estratégia de produção é uma questão estratégica. Empresas que dominam essa lógica conseguem transformar sua operação em fonte de vantagem competitiva, enquanto outras, que deixam a produção como uma área meramente operacional, acabam limitando seu potencial de crescimento.
Na próxima coluna, começaremos a abordar os diferentes Sistemas de Produção começando pelo Lean Manufacturing, Manufatura Enxuta ou Sistema Toyota de Produção.
As referências utilizadas para escrever essa coluna são:
Corrêa, Henrique L. & Corrêa, Carlos A. Administração de produção e operações: manufatura e serviços: uma abordagem estratégica. 5. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.
Slack, N. Vantagem competitiva em manufatura. São Paulo: Atlas, 1993.
Até a próxima!

Escreveu essa coluna
André Gazoli, que possui uma sólida formação acadêmica, destacando-se pela graduação em Engenharia de Produção (2008), mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas (2012, com ênfase em Mass Customization na indústria de automóveis) e doutorado em Engenharia de Produção e Sistemas (2019, com ênfase em Lean Manufacturing na indústria moveleira), todos pela renomada instituição PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Atualmente desempenha papel fundamental como professor adjunto na prestigiosa UFPR (Universidade Federal do Paraná), no Campus Jandaia do Sul, onde contribui ativamente para o desenvolvimento e aprimoramento do ensino e pesquisa na área de Engenharia de Produção.
Sua experiência abrange uma vasta gama de conhecimentos, com foco específico em áreas como Produção Enxuta, Mass Customization, Simulação de Eventos Discretos, Planejamento e Controle da Produção e Gestão de Operações.
Destaca-se por sua atuação em projetos relevantes no LEPEP (Laboratórios de Extensão e Pesquisa em Engenharia de Produção), sendo reconhecido por sua contribuição significativa para a evolução e aplicação prática de conceitos inovadores nesse campo.
