O consumo de produtos e serviços está mudando. No contexto atual, ter algo já não é o bastante, visto que a experiência, a praticidade e o significado por trás da escolha importam cada vez mais. No setor moveleiro, isso se reflete na busca por móveis funcionais, sustentáveis e alinhados ao estilo de vida de cada pessoa
Continuando…
Uma verdade meio contraditória e dolorosa é que se consumirmos pouco nós “não vamos”… Não porque nós, humanos, precisamos de muitas coisas, mas porque somos movidos a desejo. Essa é a sina da humanidade: o desejo.
Na última semana, assisti uma declaração de ninguém menos que Philippe Starck, considerado um dos maiores designers mundiais da atualidade.
O vídeo (recomendo assistir, inclusive!) é acompanhado de uma legenda que, em tradução livre, diz mais ou menos assim: “O mais importante somos nós, nossa criatividade, nossa energia e, no final, é sempre sobre amor”.
Fiquei feliz em saber que concordamos que são tempos difíceis e que amor e criatividade ditarão o futuro do design.
Escolher o que teremos entre nossos bens de consumo deverá ser mais criterioso, porém devemos saber que o desejo de movimento e mudança está acima do simples ato de possuir algo.

Podemos ficar mais desprendidos, mais sustentáveis, mais abertos às mudanças, mas ainda assim vamos pedir movimento.
Movimento é evoluir, um instinto nato do ser humano e totalmente vinculado à sobrevivência da espécie. É também isso que Starck fala no vídeo. Mesmo que dual, o poder de destruir e construir está em todos nós.
E é preciso falar disso, antes de falar de tendências, consumo, sustentabilidade e até mesmo de design. Afinal, acabam sendo assuntos que estão diretamente relacionados.
Então, se a partir de agora os espaços estão assumidamente reduzidos, os custos de vida mundialmente mais caros, a criação de produtos a todo vapor (existe no mundo praticamente tudo o que você imaginar de ferramentas, acessórios e objetos. O design de produtos nunca foi tão explorado como agora), fica ainda mais claro que a decisão de vida será diferente do que vínhamos fazendo até aqui.
Não precisamos ir longe. O Brasil é um país continental, onde muitas gerações cresceram em casas com quintal (mesmo nos grandes centros), agora falamos de apartamentos de 10 ou 14 metros quadrados, menores do que uma vaga de garagem de carro médio. Inclusive automóveis, barcos e outros formatos de vida, esses sim ganham força no mundo do morar mini com mobilidade.

E o que muda no mundo do mobiliário e do design?
Quando falamos da diminuição de espaço físico na habitação, muitas coisas mudam: da quantidade de produtos de consumo ao número de moradores.
Falar de 50 metros quadrados atualmente, mesmo em cidades do interior do país, é falar de luxo. Nesse caso, com o metro quadrado sendo tão valorizado, cada centímetro conta. Das árvores de Natal às decorações e objetos, tudo diminui de tamanho.
Após o uso, devem ser armazenados nos poucos espaços que sobram (naqueles armários muito altos ou muito baixos que costumamos usar pouco) ou acabam sendo doados ao final do período festejado.
As coisas começam a circular de maneira diferente. Pode parecer exagero, mas não é. Constatações concretas como promoções sazonais iniciando antes mesmo do período de alta das vendas estão cada vez mais comuns no mercado, comprovando essa alteração nas prioridades. As promoções de inverno, por exemplo, já começam antes do mesmo iniciar. Assim seguem datas comemorativas e outros ciclos tão conhecidos.

Durante a pandemia, houve movimentos imobiliários de mudanças para o interior e para residências maiores, mas foi passageiro.
O movimento não chegou a se manter em ritmo acelerado. Os grandes centros urbanos foram deixados pelos seus usuários para o formato de trabalho remoto e hoje há um esforço político-econômico para retomar o que antes eram pontos estratégicos e consolidados para os negócios.
As empresas voltaram a pedir o retorno de suas equipes para o formato 100% presencial, ou seja, a mobilidade voltou a ser prioridade e devagar a necessidade fez com que as distâncias falassem mais alto.
A mobilidade que, como comentamos no último artigo, se torna cada vez mais um item de luxo na vida cotidiana, por estar associado ao conforto, bem-estar e estilo de vida. Ninguém quer passar mais do que uma hora em um veículo para fazer um trajeto para o trabalho, quem dirá três a quatro horas como costumam acontecer nos grandes centros.
Na prática, tudo isso significa que as empresas de design vão olhar com mais frequência para aqueles itens que as pessoas vão usar mesmo e ter como indispensáveis. Em volta desses itens vão surgir demandas para compor os novos usos e mercados.

Nos projetos de interiores do nosso escritório, estamos vendo sumir máquinas de café em cápsulas, por exemplo, já que o espaço está sendo direcionado às novas airfryers que entregam, segundo o mercado de consumo, mais saúde e economia.
Os mobiliários, por sua vez, são repensados para essas demandas. O setor de separação de lixo e compostagem ganha espaço mesmo nas mini lavanderias.
E lavanderias, inclusive, se tornam com muita força um processo terceirizado e dinâmico que vem coincidindo com a diminuição da mão de obra nos residenciais.
A mudança chega, querendo ou não. Devemos nos apegar ao fato de que há evolução nesse movimento e que todo esse processo deve ser pensado e assimilado por nós.
Evitar o consumo do “kit pronto” de estilo de vida é um grande começo. E eu diria a parte mais difícil desse processo: passado pela onda inicial, o mar já é mais calmo, claro e, então, é possível olhar o horizonte… seguimos esperançosos!

Escreveu esse artigo
Katalin Stammer, que é arquiteta e urbanista formada pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e designer de móveis pelo Cefet PR (Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná), com intercâmbio na Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, na Universidad de la República, no Uruguai, possui experiência na área de projetos de interiores comerciais e residenciais com foco em design sensorial, projetos de estratégia corporativa e inovação.
Além disso, é premiada com projetos na mostra de decoração CasaCor Paraná e com coordenação de equipe de alunos em concurso, tendo como prêmio uma viagem à feira Isaloni em Milão, na Itália.
É diretora da Escola Curitibana de Design e tem participação como palestrante em eventos como a Semana Acadêmica de Design da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), a Semana D – Museu Oscar Niemeyer, o Congresso Nacional Moveleiro e outros.
Desde 2009, é sócio-fundadora do Katalin Stammer Arquitetura e Design e, em 2022, à convite do Shopping Alto da XV Mall, em Curitiba, no Paraná, lançou a Exposição Artisticamente com sua coletânea de peças autorais.